*por Daniel Minozzi
Dono da Amazon, uma das maiores empresas do mundo de e-commerce, Jeff Bezos deu o que falar na semana passada. A bordo do New Shepard, espaçonave criada pela Blue Origin, empresa focada em viagens especiais que também é do empresário, Bezos, seu irmão e dois convidados subiram para o espaço em um voo que durou 10 minutos e 11 segundos, entre ida e volta para a Terra.
Esse não foi o primeiro voo “pilotado” por um bilionário. Richard Branson, presidente do grupo Virgin, partiu 10 dias antes para um voo suborbital especial na espaçonave VSS Unity, em uma viagem que durou pouco mais de 15 minutos. Por trás dessa iniciativa há um projeto audacioso de levar o público para o espaço – inclusive já há uma lista de espera para participar da aventura. Basta pagar um ingresso a partir de US$ 250 mil.
Enquanto Bezos tem como objetivo viabilizar a presença humana duradoura no espaço e Branson quer ser o precursor do turismo espacial, o dono da Tesla, Elon Musk quer ir além da viagem de seus companheiros de fortuna. Por meio da SpaceX, sua companhia para exploração espacial, tem foco em Marte.
Os investimentos que esses bilionários têm feito para subir ao espaço são astronômicos, o que tornou suas iniciativas um alvo certeiro de diversos tipos de críticas que estão sendo disparadas de todos os lados, tendo como a gota d’água a viagem de Bezos. Eles foram acusados de gastar dinheiro com excentricidades, de não se preocuparem com a fome no mundo, com seus próprios funcionários – os colaboradores da Amazon inclusive aproveitaram enquanto o chefe estava orbitando pelo espaço para denunciar as más condições de trabalho na Amazon – e nem com os aspectos ambientais da Terra.
Eu quero aproveitar esse espaço para trazer um outro ponto de vista. Será mesmo que essas viagens ao espaço, que de longe lembram a briga pela corrida ao espaço entre Estados Unidos e Rússia durante a Guerra Fria, são apenas frivolidades desses empresários bem-sucedidos? Acho que vale relembrarmos alguns momentos em que investimentos na ciência – também na época considerados desnecessários – trouxeram grandes benefícios para a humanidade.
Um deles foi feito pelo brasileiro Alberto Santos Dumont. Milionário, ele projetou, construiu e voou os primeiros balões dirigíveis com motor a gasolina. Sua persistência na ciência continuou firme e ele foi o primeiro a decolar a bordo de um avião impulsionado por um motor a gasolina. Em 1906, o voo foi de 60 metros a uma altura de dois a três metros. Menos de um mês depois, percorreu 220 metros a uma altura de seis metros.
Graças à persistência do mineiro Santos Dumont, hoje temos aeronaves gigantes e muito tecnológicas capazes de voar milhares de quilômetros e transportar pessoas de vários locais do mundo para distâncias inimagináveis naquela época.
O que seria de nós sem a iluminação elétrica? O engenheiro sérvio Nikola Tesla investiu todo o seu dinheiro para fazer descobertas como o motor de indução de corrente alternada. Sem ele, hoje não teríamos tantos conhecimentos em sistemas complexos de distribuição de energia.
Voltando aos dias atuais. A pandemia da covid-19 se tornou um verdadeiro celeiro de investimentos em ciência para tentar barrar a velocidade do vírus. Bilhões foram investidos em ciência no mundo para a criação de dispositivos e soluções para ajudar a reduzir a contaminação.
Um desses investimentos saiu do Brasil, de dentro dos laboratórios da Nanox Tecnologia. A prata, que até então era utilizada como propriedade antifúngica e antibacteriana em alguns produtos, passou a se tornar protagonista na inativação do novo coronavírus. Por meio de um grande investimento em pesquisa e tecnologia, descobrimos que substâncias com prata tinham a capacidade de eliminar a atividade do vírus em até um minuto.
A partir dessa descoberta, a prata passou a ser empregada em utensílios domésticos e industriais, revestimentos (móveis e ambientes), higienizadores, máscaras de proteção, roupas, embalagens (de plástico ou papel), roupas de cama, uniformes, toalhas de mesa, entre tantas outras aplicações. Por meio da prata, foi possível proteger as pessoas contra a velocidade feroz desse vírus que, somente no Brasil, já matou quase 550 mil pessoas.
Graças ao investimento na ciência, a prata pode ajudar – e ainda é extremamente importante – a reforçar a proteção, mesmo com a chegada da vacina, cada vez mais acessível a um número maior de pessoas no mundo. O próprio exemplo da descoberta da vacina é outro que vale ser mencionado, mostrando a importância de apostar na ciência.
O fato de os olhos estarem voltados para a ciência possibilitou que as pessoas pudessem pensar em retornar às suas rotinas, conseguissem sair à rua com mais segurança, além de fazer a roda da economia voltar a girar. Com a economia em crescimento, menos pessoas ficarão desempregadas e as pessoas poderão voltar a fazer planos e ter sonhos.
As viagens de Bezos, Branson e Musk têm muito a contribuir com os problemas que a Terra enfrenta atualmente. Cada vez mais é preciso obter novos conhecimentos em ciências para melhorar as condições de vida humana na Terra. É esse olhar que vai nos ajudar a resolver problemas como fome, doenças, contaminação da água, dos alimentos, poluição do meio ambiente, emissão de gases de efeito estufa, entre tantos outros. Que venham as próximas viagens. Onde deve acontecer o próximo desembarque?
*Daniel Minozzi é químico, mestre em ciências de materiais pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e fundador e Diretor da Nanox, empresa especializada em nanotecnologia.