* por Paulo Medeiros
Quase sempre passei por média, minha dificuldade ficando com Francês e Latim e, desastre, trabalhos manuais. Por mais que me esforçasse, a falta de jeito predominava. Lembro-me de ter tomado aulas particulares de Francês com uma prima, a Lourdes, hoje a matriarca dos Medeiros. Lourdes, filha do tio Medeiros, advogado brilhante, era irmã da D. Stael, secretária do LICEU que todos conheciam.
Apesar da dificuldade com línguas estrangeiras, sempre fui bom em Português e lembro com carinho do Prof. Mário Serrano, meu professor, se não me engano, no segundo ano ginasial. Era um homem baixo e magro, relativamente idoso – pelo menos a mim parecia ser – e morava na rua Raulino de Oliveira, próxima da minha, e eu tinha o costume de visitá-lo, sentava na sala com ele e ficava conversando por um longo tempo (acreditem) e ele sempre gentil e atencioso. Sua esposa, Da. Isabel, escrevia crônicas no O Cruzeiro, não tão constantes quanto as da escritora Rachel de Queiroz, mas que ainda assim apareciam amiúde. Ela tinha mais porte do que ele, o que eu estranhava. Lembro-me de que ele falava com orgulho de um seu irmão, Jonathas Serrano. Muitos anos mais tarde, comprei num sebo no Rio um livro infantil, na quarta edição, de 1958, da Editora Vozes, Proezas do Espoleta, de autoria de Mário Serrano. O livro não traz nenhuma informação sobre o autor, mas duvido que seja um homônimo. Creio que ele nunca comentou comigo sobre os seus livros.
Eu gostava muito de História e devido ao grande interesse tinha uma facilidade enorme para memorizar o que lia. Bastava ler uma vez para guardar. Lembro-me de o Prof. Edmar Mendes Baião fazendo-me discorrer sobre tópicos da matéria para a turma, creio de Historia Antiga e Medieval, a que mais me agradava.
Como era um bom aluno, um cdf como diziam, nunca tive necessidade de colar. Ao contrário, era fonte de colas, apesar do medo de o professor notar, até por tender a sentar mais para a frente da sala – menor do que a maioria dos colegas, se sentasse mais atrás não teria uma boa visão do quadro negro. Mas recordo-me de que no terceiro ano do ginásio, numa prova de matemática, veio bater em minhas mãos uma cola de uma das questões (elas iam circulando pela turma). Estava diferente do que eu havia respondido e decidi riscar o que havia feito substituindo pelo que havia na cola. Errei a questão, e o pior, o que havia feito antes era a resposta correta. Depois desse dia nunca mais colei – concluí simplesmente que não valia à pena.
Eu era considerado “cobra” em matemática, matéria em que muitos tinham dificuldades. Cheguei até a ganhar algum dinheiro, a partir do quarto ano, dando aulas particulares dessa e de outras matérias. Embora matemática não fosse bicho de sete cabecas para mim, acho que minha fama era mais questão de ter um olho em terra de cego. Bom mesmo em matemática era, por exemplo, o Braconi, tanto que virou engenheiro. Eu tinha dificuldade na demonstração de teoremas e ficava encantado com as soluções elegantes que ele encontrava. Demonstrações, lembram-se, que terminavam com a expressao CQD.
Ainda no ginásio, lembro-me um dia, num intervalo de aula, em que alguém da turma assobiava e o Catiquinha lá estava doido para pegar o transgressor. De repente manda eu me levantar e sair da sala, por ser o responsável. Não adiantou argumentar que eu nem sabia assobiar – o que então era verdade. Devo ter feito inconscientemente o bico nos lábios.
Gostava muito das aulas de literatura do Prof. Aylton Bermudes, e das antologias que tínhamos que ler. Acredito que minha apreciação por poesia começou aí – digo apreciação, porque além de poucas trovas que cometi quando jovem nada mais produzi. Ainda guardo na memória umas poucas poesias curtas, dentre as que lia nas antologias. E as primeiras estrofes do Lusíadas.
O Fontanella veio de Mimoso do Sul e se juntou a nós creio que na quarta série do ginásio. Ele se tornou um grande amigo, estávamos sempre juntos a ponto de algumas pessoas pensarem que fôssemos irmãos. Ele afirma, aproveitando-se de minha falta de memória, que numa aula de Português (ou seria de literatura?), creio que do terceiro científico, o Prof. Aylton Bermudes pediu que o André Altoé fizesse uma apresentação e ao final perguntou se alguém queria fazer um comentário. O Fontanella levantou a mão e eu, sentado na carteira dupla com ele, teria metido o cotovelo em sua costela dizendo que não se devia criticar um colega …
Ainda o Fontanella, na sua campanha de difamação, afirma que eu me postava no andar térreo, junto da escadaria, só para ver a Moema subir …
Há muito mais a lembrar dos tempos do LICEU: as horas sociais no Salão Nobre, as demonstrações de ginástica rítmica no Caçadores, os desfiles escolares, os jogos estudantis. Mas o que fica mesmo é a convivência amiga, que nos faz interagir até hoje, o orgulho de ter pertencido a um colégio de tanta tradição, as lições que recebemos de nossos Mestres com M maiúsculo, não somente em termos de conhecimentos mas também de valores e de amor a Cachoeiro, nos inculcando das grandes coisas de nossa terra – algumas, em perspectiva, não tão grandes – mas que contribuíram para preservar em nós o bairrismo tão saudável que por muito tempo (e quem sabe ainda) caracterizou os cachoeirenses. E neste ponto ninguém ganhava do Prof. Deusdedit. E mais do que conhecimento, medido pelas notas, muito mais ficou em nós porque embora os bons alunos se destacaram nas suas vidas profissionais, os não tão dedicados também se destacaram.
Fica também a lembrança daqueles colegas que não estão agora conosco porque contingências diversas os impediram de comparecer a este encontro. E, principalmente, a saudade daqueles que se foram de vez, em número maior do que gostaríamos.
Pensando no belo poema Ilusões da Vida, de Francisco Otaviano, apesar de não termos sofrido no nosso tempo de estudante do LICEU, certamente não passamos pela vida em brancas nuvens.
*Texto preparado quando a turma do Liuceu de 1960 comemorou 50 anos de formatura.
(*) Paulo Medeiros é membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL)