O caso de um pitbull de nome Borys, que foi deixado agonizando às margens da Rodovia Serafim Derenzi, no bairro Resistência, Vitória, foi tema da reunião extraordinária da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Maus-Tratos contra os Animais da Assembleia Legislativa (Ales). O cachorro acabou morrendo e os envolvidos prestaram depoimento em encontro realizado na noite da última terça-feira (31).
A presidente do colegiado, deputada Janete de Sá (PSB), abriu os trabalhos informando que o animal foi encontrado dentro de um saco plástico na rodovia, que as pessoas viram algo se mexendo dentro da sacola, encontraram o cão e acionaram a CPI e a Prefeitura de Vitória. Ela lamentou o óbito e explicou que a ideia era dar oportunidade a todos os envolvidos de se manifestarem sobre o caso.
Responsável pela abordagem inicial do animal, a gerente de Bem-Estar Animal da Prefeitura Municipal de Vitória (PMV), Katiuscia Oliveira, relatou que o caso foi registrado no sistema da prefeitura na noite de 22 de outubro (domingo), mas que ela tomou ciência por uma rede social. No dia seguinte, pela manhã (23), uma equipe foi ao local para avaliar a situação do animal.
“Identificamos que já tinha sido libertado do saco e das cordas. Na manipulação percebi que já era castrado, por isso imaginamos que poderia ter um chip. Fizemos o acolhimento dele e encaminhamos para a clínica credenciada. (…) Estava totalmente apático, tentava rosnar, mas não tinha mais força para ficar de pé. Por ser um animal forte, tínhamos esperança de que ele pudesse sobreviver”, contou.
Segundo a gerente da PMV, na clínica fizeram a leitura do microchip e encaminharam o pitbull para a gerência o número com vistas a identificar o possível tutor. “Fizemos a identificação e, com o apoio da Guarda Municipal, fomos até a casa deles. Eles disseram que não eram donos do animal, mas que cederam a guia (para castração no programa da prefeitura) para uma pessoa conhecida da igreja deles”, afirmou.
Katiuscia Oliveira comentou que eles forneceram os dados e a rede social do real tutor. Posteriormente o rapaz foi encontrado no seu local de trabalho. Questionado, primeiro afirmou que Borys havia fugido, mas depois mudou a versão, falando que o animal havia ficado doente e que ele não tinha condições de tratá-lo; por isso pediu para um amigo “resolver” a situação.
Atendimento
Daniel Galante, um dos veterinários da clínica que atendeu o pitbull, disse que os exames mostraram a presença de corpos estranhos no sistema gastrointestinal e que foi levantada a possibilidade de uma cirurgia, mas que ele avaliou que esse não era o melhor caminho para tratá-lo. “Estava desidratado e caquético. Submetê-lo a procedimento cirúrgico seria antecipar o óbito”, explicou.
Segundo o veterinário, os corpos estranhos provavelmente não eram o principal motivo do estado de saúde do cachorro. “Tinha um conjunto multifatorial que levou ele àquele quadro. Houve uma negligência imensa e duradoura (…) A inanição pode ter feito ele comer pedras”, mencionou. Para Galante, o não tratamento do animal o levou ao óbito, pois não foi identificada nenhuma doença não tratável.
Envolvidos
A titular da guia utilizada para a castração do pitbull contou que já havia auxiliado outras pessoas e que o tutor do animal a procurou pedindo ajuda para castrar o animal. Janete indagou se ela achava correto “passar” a guia para outra pessoa. “Eu só estava querendo ajudar”, respondeu.
Diante dos fatos, a presidente da CPI pontuou que provavelmente a Gerência de Bem-Estar Animal da PMV precisaria mudar o formato do programa de castração. “Precisou um animal morrer para gente descobrir. É um programa bonito da prefeitura, mas houve uma burla do sistema. O controle precisa ser mais rígido”, salientou.
A depoente ainda falou que o tutor do animal entrou em contato com ela via aplicativo de mensagem, dizendo que o cachorro havia ficado doente, que ele não tinha condições de pagar o tratamento e que havia pedido para um amigo sacrificar o pitbull.
A CPI também ouviu o responsável por levar o animal para a beira da rodovia: o depoente alegou que estava bebendo num bar em frente à casa do tutor do animal, quando esse relatou que o cão estava quase morrendo e lhe pediu para jogá-lo numa lagoa próxima. No entanto, Lucas disse que deixou Borys num local visível para que alguém com condições de cuidar o encontrasse. Ele acrescentou que teria recebido R$ 17 pelo “serviço”.
Relator da CPI, Alexandre Xambinho (PSC) perguntou qual era a relação do depoente com o tutor do cachorro. “Ele é amigo da minha mãe”, respondeu.Também destacou que, quando entrou na casa do tutor para pegar o animal, verificou que o espaço onde o cão ficava era “precário”.
O tutor de Borys compareceu ao encontro, mas não respondeu às indagações da presidente da CPI, Janete de Sá. “Por orientação do meu advogado ficarei em silêncio”, disse para quase todos os questionamentos.
Ao final da CPI, Janete lamentou a postura do tutor do pitbull, informou que solicitaria a necropsia do animal para que perícia legal possa ser incluída nos autos do futuro processo criminal. A deputada também pediu uma pena severa do Ministério Público contra os envolvidos na morte de Borys.
Além dos citados, participaram da reunião a procuradora de Justiça do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) Edwiges Dias; o presidente da Comissão de Proteção e Defesa dos Animais da OAB/ES, Breno Panetto; a presidente da Sociedade Protetora dos Animais (Sopaes), Regina Mazzoco; o representante do Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV) Rodolpho Barros; o veterinário Antônio Marcos Ginelli, que trabalha na clínica que atendeu o animal, além de diversos protetores de animais.