No coração do Terreirão, nossa comunidade às margens do Rio Itapemirim, diante da igreja de Santa Rita, morava Dona Judith, minha avó, figura amiga e querida por todos. Com seu sorriso perene, ela se apoiava no pequeno muro da casa, convidando a todos para conversas acolhedoras. Ninguém resistia a um dedo de prosa com ela. O aroma de café fresco, sempre presente, misturava-se ao calor do dia e ao abraço de suas palavras.
A memória se desenrola como um filme antigo, tingido de sépia, onde ela jogava punhados de grãos para as galinhas, com a barriga encostada no tanque, lavando roupas que depois se estendiam ao sol no varal. O café com uma colher de manteiga derretendo na xícara era o símbolo desse afeto cotidiano, simples e verdadeiro.
A casa de vovó era um santuário de simplicidade e amor. Lembranças de pamonhas doces e salgadas, de papas que traziam o rosto da vovó estampado na saudade, de docinhos guardados no fundo da gaveta da geladeira para os netos, e sempre um trocado para presentear. A avó dos chamegos também era a avó do chinelo na mão, do puxão de orelha, sempre na intenção de nos guiar pelo caminho certo.
Cada encontro com ela era uma lição de vida. Ela protegia, mediava brigas, guardava segredos e realizava nossos desejos mais simples. Era como se sua existência fosse um poema de Manoel de Barros, onde cada verso ensinava o valor da natureza, da simplicidade, do respeito pela vida. A casa simples, de chão de terra, repleta de plantas e com um portão modesto, era o palco dessas memórias.
Na casa de vó, o tempo se desdobrava suavemente ao redor do fogão a lenha, onde ela cozinhava feijão e tantas outras gostosuras, enquanto as galinhas ciscavam a terra ao redor. Era ali que o calor do fogão se misturava ao afeto das histórias contadas, criando um ambiente que parecia fora do tempo.
Um dos maiores tesouros de sua casa era a biblioteca improvisada que criou. Ali, eu passava horas brincando de dar aula, talvez sem saber que aquele espaço mágico, no fundo do quintal, poderia mudar minha trajetória. Hoje, meu amor pela educação é uma homenagem, uma extensão do carinho e da sabedoria que ela plantou em mim.
Lembro-me de quando, ainda criança, inadvertidamente, coloquei fogo em um colchão enquanto brincava. Eu estava debaixo da cama quando tudo começou a pegar fogo, e, num instante de desespero, seu braço forte me puxou para fora, salvando-me do perigo iminente. Naquele instante, compreendi que nada mais importava para ela além de salvar minha vida, mesmo que isso significasse queimar seu próprio braço. Foi ali que aprendi o que é família, o que é amor.
Ela me ensinou que as grandes lições vêm das coisas mais simples. Ela me deu a capacidade de ver a beleza na vida cotidiana, de apreciar o valor do trabalho, da natureza e do amor despretensioso. Sua presença marcou profundamente minha existência, deixando um legado de carinho e sabedoria.
Em seu cotidiano, encontrávamos a essência da vida. Como coroinha, acompanhava minha avó até a igreja, onde ela se sentava quase no último banco, sempre diante de Santa Rita. Sua fé era um farol, guiando-me, mostrando que estava no caminho certo antes de sua partida.
Assim, a força de Dona Judith permanecia, inabalável até o final. Ela partiu de forma súbita, sem se mostrar fraca ou reclamar de dor. Foi uma despedida rápida, sem sofrimento, e embora a saudade e o luto nos acompanhem, guardamos as lembranças de uma mulher que foi forte até o último instante.
Que todas as avós, como a minha, sejam lembradas com carinho e gratidão. Cada uma delas deixou marcas únicas em nossas vidas: seja nas maravilhas da cozinha, nas histórias que nos encantaram, nos conselhos sábios ou nos abraços que nos confortaram. Elas são a fonte de amor e ensinamento que nos faz lembrar, com emoção, os momentos preciosos compartilhados. E, ainda que algumas já tenham partido, seu legado vive em nós, perpetuando-se através das gerações.
Dona Judith, minha avó, vive em minhas lembranças, eternamente querida. Te amo, onde quer que esteja, e guardo contigo a serenidade de uma vida bem vivida, de um amor que transcende o tempo e o espaço. Que seus ensinamentos continuem a iluminar o caminho daqueles que tiveram a honra de conhecê-la.
Com carinho, seu neto Guilherme Nascimento.
06.07.2024 – Emiliano Silva (terreirão), Aquidaban, Cachoeiro de Itapemirim/ES.
P.S. Dona Judith Pianes Neto nasceu no dia 19 de março de 1926 e faleceu no dia 6 de julho de 2019. Esta homenagem literária foi produzida por seu neto, Guilherme Nascimento, no dia que marca os cinco anos de seu falecimento.