Tenho lido excelentes crônicas acerca da falta de assunto. Por curioso que seja, a falta de assunto acaba sendo vez em sempre assunto interessante. Cá das minhas entranhas, não creio que a falta de assunto exista, afinal, nada é assunto até que alguém torne alguma coisa em assunto, revestindo essa coisa qualquer de significados, relatos, narrativas, histórias.
Um pedaço de madeira é apenas um pedaço de madeira até que você o coloque dentro de um belo prédio, no centro de uma grande sala, projete sobre ele luzes coloridas e diga que aquelas madeiras sustentaram o suplício de Tiradentes (poderia ser qualquer um, mas é que peguei Tiradentes para Cristo). Sabe-se lá se aqueles pedaços de pau expostos pomposamente no Museu da Inconfidência estavam lá mesmo, molhados de sangue rebelde.
E se estavam, nada há de mágico ou especial naquelas madeiras em específico, a não terem sido suporte do suplício de muitos, dentre eles um alferes qualquer que anos depois de sua morte foi tornado herói nacional. Coisa que o pobre coitado, que foi tão cedo, jamais ficou sabendo (Deus me livre, que eu tenho medo).
Escrever sobre a falta de assunto é um recurso retórico interessante, um tipo de metalinguagem. Se qualquer coisa pode ser tornada assunto, o que falta mesmo não é assunto, mas desejo de tornar algo ao redor, assunto. Poderíamos dizer que, então, a falta de desejo está por trás da falta de assunto. Mas ao tornar a falta de assunto, assunto, o desejo foi investido ali, na falta, e tornado em algo, não raro, de grande riqueza.
Ah o desejo. O desejo de fazer e o desejo de não fazer. Difícil escapar desse desejo, porque até desejar não desejar, é, ainda, desejo. E daí a desejar não tornar nada assunto, cai-se no desejo de não ser cobrado pelo editor do jornal quanto ao envio da crônica semanal. É quando, então, não raro, a falta de assunto se torna assunto principal.
O prezado leitor pode, no atual momento da digressão, imaginar que essa é a situação desse preguiçoso autor. Prestes a ser cobrado pelo seu editor, pôs-se a escrever sobre a falta de assunto como se assunto fosse.
O problema, se posso ser sincero até onde meu consciente alcança, é que não me faltava assunto. Inflação alta, governo desgovernado, viagens espaciais, novos filmes de super-heróis chegando nos cinemas, o filho do Ronaldo que foi campeão do campeonato de Boxe da Federação Paulista, meu amor pelo mar, minha saudade de casa, etecetera, etecetera e etecetera.
Dentre tantos assuntos, apenas resolvi me divertir com o jogo de palavras e achei que a falta de assunto daria uma boa brincadeira. Prezado leitor, não se engane. Quase nunca nada falta. Quase sempre é o desejo, esse fluxo constante de vida que nos anima e que, via de regra, muito frequentemente, sempre sobra.