Principais responsáveis pelos cuidados dos filhos com doenças raras ou deficiências, mães apresentam demandas à Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa
Uma discussão em torno do Projeto de Lei (PL) 324/2024, do deputado Dr. Bruno Resende (União), que institui diretrizes, estratégias e ações para criar um programa de apoio e orientação às mães atípicas. Esse foi o objetivo do encontro da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa (Ales) realizado nesta terça-feira (16). Especialistas, pais e mães de crianças atípicas participaram do debate.
O presidente do colegiado e autor da proposta explicou que o objetivo é criar uma legislação que acolha as famílias, sobretudo os pais dessas crianças. “O nosso mandato tem a saúde como pauta principal e pouco se fala em relação às políticas públicas em relação aos pais. A gente felizmente tem crescido muito a participação política em relação às pessoas com deficiência, ao TEA (Transtorno do Espectro Autista), à paralisia cerebral, mas a gente fala muito pouco dos pais e em como isso é um desafio”, argumentou o parlamentar.
“Eu sou pai de um casal de pequenos, o Edu de cinco anos e a Maria de três anos. Eles não têm TEA, eles não têm paralisia cerebral, eles não são pessoas com deficiência e é um desafio ser pai. Então, o quão maior se torna esse desafio? Essa sensibilização foi o que entrou no nosso gabinete e nós estamos construindo um projeto de lei que já começou a tramitar nessa Casa. Mas se ele tivesse pronto, se ele não pudesse ser modificado, se a voz de vocês não valesse, vocês não estariam aqui”, pontuou.
Dr. Bruno também disse que, apesar de já estar tramitando, a proposta está sujeita a alterações. “O nosso gabinete vai estar aberto a todos vocês para que possam dar as suas contribuições e aprimorar o que a gente já fez, avaliando também a experiência de outros estados”, concluiu.
Cuidados de saúde
A ginecologista obstetra Daniele Scherrer de Abreu, do Hospital Materno Infantil da Serra, falou sobre o acesso aos cuidados com a saúde, especialmente para mães de crianças atípicas. A médica alertou que as mães são, na grande maioria dos casos, as mais sobrecarregadas, já que geralmente são elas que cuidam dos filhos.
“O primeiro ponto que eu acho que a gente devia focar é em proporcionar o acesso fácil aos cuidados de saúde especializados. Eu falo especializados, mas assim, a ginecologia obstetrícia era para ser básica, era para ser uma atenção básica, mas não é isso que está acontecendo. Infelizmente, por falta de profissional, as mães não conseguem ir diretamente ao ginecologista”, lamentou.
“Têm que passar primeiro num clínico, isso dificulta muito. Como é que a mãe tem que ir num clínico geral primeiro, para depois pegar um encaminhamento para poder ir no ginecologista, para conseguir marcar o ginecologista? Aí imagina, o ginecologista pede o preventivo, pede ultrassom e depois tem que marcar ultrassom, e aí o problema está todo em como essas mães vão fazer tudo isso”, acrescentou a convidada.
Além de melhorar o acesso da mãe para cuidar da própria saúde, a ginecologista ressaltou a importância de uma rede de apoio. “Onde ela vai deixar essa criança, quem vai ficar com essa criança, quem vai olhar essa criança, quem vai levar essa criança na terapia, vai faltar terapia? Dependendo do SUS, se faltar terapia você vai perder a vaga. Aí tem mais um problema, que é a falta de continuidade no tratamento”, opinou.
“Além disso, garantir um apoio psicológico contínuo, porque é impressionante como essas mães chegam, eu falo do meu consultório porque eu estou no consultório, lá no fim, na ginecologia, e essas mães desabam porque ninguém ouve elas, ninguém tá ali pra ouvir, elas não conseguem um psicólogo, elas não conseguem um psiquiatra, se elas conseguem um psicólogo, elas não conseguem ir no psicólogo”, avaliou Daniele.
Centros de convivência
Criar espaços de convivência é outro fator determinante para a especialista, no objetivo de avançar na criação de políticas públicas eficazes, que realmente venham ao auxílio dessas mães. “Que tenha um parquinho para a criança, para a mãe poder fazer a sua unha, fazer um cabelo. A mãe não consegue fazer um cabelo, não consegue ir à academia, não consegue fazer uma atividade”, disse.
“Como é que a gente promove saúde, como é que a gente promove bem-estar, se a gente não consegue cuidar da própria saúde, cuidar da sua beleza também? A mãe precisa disso. Então, um centro de convivência em todas as cidades, um centro de convivência pelo menos para essas mães irem lá encontrar com outras mães, conversar com outras mães, conversar dos seus problemas com outras mães, tirar suas dúvidas”, destacou a ginecologista.
Atendimento on-line
Integrante da Associação Capixaba de Paralisia Cerebral, Fernanda Severino enfatizou a importância da desburocratização e prioridade no acesso aos serviços de saúde para o cuidador. “Eu quero pontuar que seria interessante um programa de atendimento on-line. Porque o cuidador, pai, mãe de atípico, é sobrecarregado, não tem tempo para se cuidar”, disse.
“Eu estou falando por mim. Eu tenho até plano de saúde, mas começa um tratamento de saúde, tem que fazer exame e não concluo. Enfim, então o atendimento on-line, tanto de um tratamento psicológico, psiquiátrico, até o atendimento com uma ginecologista, gente, isso ia otimizar muito o tempo dessas pessoas. Isso é muito importante para que elas possam dar continuidade ao tratamento”, argumentou Fernanda Severino.
Representando o Coletivo Mães Eficientes Somos Nós, Valesca Timóteo falou sobre as dificuldades que encontram, sobretudo as mães em um contexto de vulnerabilidade social. “Eu tenho dois filhos com TEA, mas outra coisa são as mães da nossa sociedade que têm uma alta vulnerabilidade social, uma luta histórica pela sobrevivência”, apontou.
“Sinceramente, a gente tem que tirar essa autoproclamação nossa, que nós somos fortes. Porque na verdade o que nós fazemos é passar para nossa sociedade que nós somos fortes para responder aos nossos direitos que não são garantidos. Seja por lei, quando eles são garantidos na lei, mas eles não são garantidos na efetividade”, lamentou Valesca.
Inclusão
A integrante do coletivo deixou como sugestão ao projeto a criação de espaços inclusivos em ambientes públicos. “Uma coisa que eu sinto como extrema necessidade, em qualquer espaço público, nós precisamos instituir uma sala sensorial pras nossas crianças”, pontuou.
“Não tem como a gente vir aqui debater política para as nossas crianças, para melhorar a qualidade de vida delas, e aí as nossas crianças ficarem ora com o microfone, ora num espaço limitado, um espaço que sensorialmente vai desregulando elas e nossas crianças não estando bem.
Automaticamente nós não vamos estar bem. Aí é cíclico, nossas crianças não ficam bem, as famílias não ficam bem e aí só vai aumentando, só vai piorando”, concluiu.
Como resposta, o deputado Dr. Bruno informou que encaminhará à Mesa Diretora da Ales solicitação para que seja criada uma sala multissensorial no prédio do Legislativo.