por Marco Aurélio Borges*
De todas as abstrações políticas a cidade é que me soa menos abstrata. Se as ficções também lá estão para criar um sentimento de solidariedade e destino compartilhado, na cidade esse destino comum se revela mais espontâneo do que como resultado da própria ficção. E esse mais espontâneo se deve, fundamentalmente, ao fato de compartilharmos um espaço físico comum, algo, deveras, mais concreto que as forçadas narrativas históricas, políticas e ou culturais que nos unem (será?) aos acreanos.
Três cidades povoam meu imaginário. Cachoeiro de Itapemirim, Campos dos Goytacazes e Vila Velha.
Nasci em Cachoeiro. Meus pais se mudaram para Campos quando eu estava para fazer três anos. Os primos, avó, tios maternos estavam em Cachoeiro, para onde ia com frequência. Campos era o exílio e Cachoeiro o paraíso da diversão, do aconchego, da proteção. E, quando tudo deu errado em Campos no finzinho da década de 80, finalmente a esperada volta à terra natal.
Esperada sim, porque oito, nove anos, é muito tempo para quem tem 11 anos.
Meus parentes maternos – em grande número em Cachoeiro – nunca demonstraram muito pertencimento à cidade. Eu que, me enfiando a trabalhar em rádio, jornal e revista, acabei tendo contado com o lírico “bairrismo”, ora o enfrentando, ora cedendo aos seus encantos burgueses.
A cidade exílio voltou ao meu radar quando entrei no Mestrado.
Nunca mais morei em Campos. Mas ter estudado na UENF, universidade criada por Darcy Ribeiro, se tornou parte importante da parte da minha história pessoal que gosto de contar. Aliás, gosto de contar que fui a um comício do Darcy Ribeiro perto da minha casa onde morava no Guarus. Junto ao sempre inflamado Brizola, faziam campanha para o Darcy suceder o gaúcho como governador do Rio. O antropólogo que criava universidades, defendia escolas e implantou ensino integral perdeu. Era bem pequeno e lembro menos do que minha mãe me conta. Mas ficou guardado na memória o péssimo gosto dos fluminenses para candidatos desde aquela época.
Fiz Mestrado em Campos sem ter saído de Cachoeiro. E fiz doutorado no Rio sem ter saído de Cachoeiro também. O doutorado no Rio era bem cachoeirense, tendo em vista que era informante e mensageiro do meu orientador, um conterrâneo orgulhoso de sua terra natal. Por isso o Rio nem entrou na conta.
Agora vim parar em Vila Velha. Confesso certa estranheza ao pegar a estrada para fora de Cachoeiro pensando que estou indo para casa. Depois de 31 anos fortemente engajado na vida da cidade, já cheguei a duvidar se estava na direção certa da estrada. Rio Novo me pareceu do lado errado da pista.
A praia é um grande atrativo dessa cidade. O mar me faz bem. Gosto de pegar o caminho mais longo para casa, só para ver o mar. Não tenho cacife para morar de frente para a praia. Mas dá até para ir a pé de onde moro. Praia ficou na memória bem associada à lazer, diversão. Soa estranho olhar o mar enquanto trabalho. Penso que se Cachoeiro anexasse Marataízes, seria uma cidade quase perfeita. Mas os orgulhosos habitantes da antiga Itapemirim não aceitariam bem a ideia.
Talvez outras cidades entrem na minha história. Talvez volte para Cachoeiro na velhice, embora a ausência de praia seja um elemento desanimador à essa perspectiva.
Seja como for, sigo avesso às grandes narrativas, mas muito permeável a narrativas menores.