O Brasil sempre foi pródigo em manifestações de rua. Mas, de uns tempos para cá, anda ainda mais pródigo. Se marcha pela maconha assim como se marcha para Jesus, enquanto se fazem passeatas sem motivos tão claros, inovadoras, em motocicletas, jumentos, lanchas, e sabe-se lá o que mais virá por aí.
Meu gosto por festa e gente alegre me leva a preferir a parada gay às marchas cristãs, que andam um tanto assustadoras. Antigas canções que eram até divertidas de cantar na minha adolescência, na Igreja Presbiteriana da Rua Moreira, agora evocam armas de verdade e inimigos mais físicos e menos espirituais, enquanto pastores andam sendo barrados, armados, em aeroportos pelo Brasil, como o ex-ministro da educação.
Paradas, marchas, procissões, carnavais, malandros e heróis, tudo junto e misturado em um caldo sempre surpreendente que desafia a capacidade de teorização dos intelectuais, geralmente, desconectados da realidade que se vive no dia a dia, nos botecos, nas vendas, feiras, etc.
Mas o pior vem por aí, que é o desfile. Esse sim, capaz de tirar o sono.
Lembro-me de meus tempos de infância, em Campos dos Goytacazes, estado do Rio de Janeiro. Aluno de uma escola tradicional, era aquele drama todo Sete de Setembro. Não havia a opção de não desfilar no tal do dia da pátria, e minha mãe, mais por honestidade do que por qualquer patriotismo esdrúxulo, não me deixava fingir de doente.
Desfilei de marinheiro, de soldado, desfilei de fantasias que eu não sei dizer o que representavam nesse grande carnaval chato e sem graça que é o tal desfile de Sete de Setembro.
Anos mais tarde encontrei formas mais divertidas de viver essa data, com o Grito dos Excluídos. Além de uma motivação mais digna, coerente e racional, considerando a grande farsa histórica da independência (o filho do Rei de Portugal declara independência da colônia de Portugal – alguém ainda acredita que não foi combinado?), o movimento era menos programado e muito mais alegre e criativo.
Note, querido leitor, que não sou um inimigo das manifestações, ou, ainda, um inimigo da pátria. O fato, e um tanto biográfico, é que nos últimos anos, caminhando breve para os meus últimos, estou mais a me interessar pelo propositivo. Não sou inimigo de coisa nenhuma, prefiro a amizade das coisas alegres, coloridas, escolho antar pelos espaços com margens mais largas e menos confinadas.
E nessa busca, sinto – e me ressinto – que muito de nossa alegria tropicália está capturada por guerras imaginárias, inimigos inexistentes, almas desencarnadas de corpos que nunca estiveram vivos. Gente que um dia foi alegre agora vocifera, como se falasse alemão, palavras de ordem contra moinhos de vento, de cima de trio elétricos, antes, templos sagrados dos nossos deuses baianos.
Como profanam os trios elétricos!!!!!!
Quero acreditar que tudo isso foi uma fase ruim, prestes a acabar. A fase. Porque os problemas, sempre os teremos conosco, já que não importa que eles existam – e sempre existirão – importa como lidamos com eles, na expectativa imaginária de eliminá-los todos magicamente em nome de um mundo perfeito que não existe, ou dançando com nossos demônios em uma alegria orgiástica, daquelas que fazem a vida valer a pena.
Por fim, querido leitor, não me chame para protestar, marchar, desfilar, defender ou atacar. Me chame para carnavalizar. Porque carnavalizar é o melhor que podemos fazer pelo mundo agora.