Durante minha vida sempre trabalhei com madeira, mas também sempre gostei de escrever, embora seja mais como um carpinteiro das palavras, ou seja, aquele que trabalha a madeira em sua forma bruta, diferente daquele requintado artista que faz da madeira uma obra de arte valiosa.
Acordei cedo e como moro próximo à uma avenida movimentada. Observei que, mesmo ainda cedo, os carros, ou melhor, seus condutores parecem sempre ter uma pressa premente e constante, e isto se observa pelas ultrapassagens nem sempre muito seguras que realizam. Isto me fez pensar nesses momentos que estamos vivendo, e se isso tem nos feito rever esses conceitos de chegar primeiro, de chegar antes que o outro, mesmo que seja para não fazer nada.
Desde março, o tempo tem sido o que menos tem me importado. É um repetir de amanhecer e anoitecer, de telejornais sobre a pandemia, de notícias sobre os escândalos nos governos, quase sempre requentadas e previsíveis. Às vezes, tentamos nos reinventar (essa palavra tem sido mais usada que madeira reflorestável), mesmo que reinventar signifique sobreviver. E parece que não temos tido muito sucesso nisso.
Hoje vi um comentário de um amigo de que esperava que saíssemos melhores depois da pandemia, mais humanos, mais conscientes, para logo em seguida dizer que já afastou essa esperança, pois o que temos visto é um repetir de absurdos de – eu diria – uma pressa de morrer, como escrevi no início dessas linhas. Disse a ele que tenho medo do mundo que deixaremos para nossos filhos e netos.
Em uma postagem, alguém disse que as mortes aqui no Brasil representam cinco ou seis aviões que caíssem todos os dias e as pessoas estivessem brigando pra estar na frente da fila nesse aeroporto macabro em que estamos embarcando, tal a ignorância, a negação do conhecimento, a polarização ideológica, religiosa ou outra qualquer.
Ando devagar porque já tive pressa, e levo esse sorriso porque já chorei demais…
José Geraldo Delprete é professor e carpinteiro de madeira (e das palavras)