Artigo • Partidos políticos, coerência e posições ideológicas no Brasil contemporâneo

C O M P A R T I L H E

Por Guilherme Nascimento

“As ideias são feitas para circular, mas os princípios precisam ter raiz.” Com essa frase, abro esta coluna não como quem procura uma certeza, mas como quem deseja provocar reflexões mais profundas sobre o papel dos partidos políticos, os sentidos da coerência ideológica e os riscos das simplificações que têm tomado conta do debate público no Brasil.

Nos últimos anos, falar em ideologia virou quase xingamento. E, ao mesmo tempo, falar em coerência virou motivo de suspeita — como se quem não se dobra aos ventos do oportunismo fosse ultrapassado ou “radical”. Pois bem. Eu sou Guilherme Nascimento. Jovem ribeirinho, periférico, produtor cultural e educador popular. Nasci onde a maré encontra o asfalto e carrego nas costas não só os sonhos que me formaram, mas também os territórios que me elegeram como representante simbólico de suas causas. Não fui eleito com votos ainda — mas fui eleito, todos os dias, com confiança comunitária.

E é desse lugar que escrevo: de dentro da Casa Roxa, um ponto de cultura, de escuta, de formação e de luta.

Partido político não é abrigo de alma — é ferramenta de trabalho

Quem vive a política de verdade sabe: a sigla importa, mas não define tudo. Os partidos deveriam ser como instrumentos de navegação: com mapas, rotas e bússolas. Mas o destino, esse precisa estar claro dentro de cada um de nós.

É por isso que sempre digo que, se um dia eu mudar de partido, não será por conveniência, mas por coerência estratégica e ideológica. Porque coerência não é prisão: é direção. E estratégia sem ética é apenas jogo.

Segundo o TSE (2024), o Brasil tem mais de 15 milhões de filiados a partidos políticos, mas uma imensa parte desses vínculos é motivada por conveniência eleitoral, promessas de espaço ou pressões locais. Enquanto isso, cresce no país o número de pessoas sem filiação, mas com atuação política real, o que revela uma desconexão entre as estruturas partidárias e os movimentos vivos da sociedade.

A direita liberal de nome, mas não de prática

É curioso ver como parte da direita brasileira se apropriou da ideia de “liberdade” para defender o corte de políticas públicas, o sucateamento da cultura e o desprezo pela equidade. Como se liberdade fosse apenas o direito de consumir, e não de existir com dignidade.

Falar em Estado mínimo num país com mais de 33 milhões de pessoas em insegurança alimentar (Rede Penssan, 2023) não é uma visão política — é uma violência. Falar em meritocracia quando 77% das famílias negras vivem com menos de 2 salários mínimos (IBGE, 2022) não é argumento — é cinismo.

E aí aparece uma armadilha: quando alguém das margens, como eu, trabalha com autonomia, organiza projetos, mobiliza sem depender do favor de governo, logo querem colar o rótulo de “liberal”. Só que não. Isso é fruto de organização popular, cultura de base, pedagogia comunitária e resistência histórica. Não é liberalismo, é luta.

Liberdade, pra mim, tem nome e rosto

Meu conceito de liberdade não é o que cabe num tweet. É o que cabe no prato de uma criança. É o que se desenha numa roda de capoeira, numa feira de saberes, num sarau na favela. Liberdade, pra mim, é quando o povo não precisa pedir esmola para viver com dignidade.

“Sem liberdade, não há educação. Sem educação, não há liberdade.” — dizia Paulo Freire. E eu prefiro me inspirar nele do que em qualquer ideólogo que justifique desigualdades com planilhas.

A esquerda precisa voltar a disputar a esperança

Se parte da direita ocupa o discurso da eficiência, é porque a esquerda, muitas vezes, se acomodou no discurso da denúncia. Precisamos denunciar, sim. Mas também precisamos governar bem, executar com excelência, comunicar com coragem e sonhar com o pé no chão.

Participei de dezenas de projetos culturais, educacionais e sociais. A maioria deles foi viabilizada por editais públicos. Mas a gestão deles — o fazer com qualidade, afeto e profissionalismo — não veio de Brasília, veio da beira do rio, do coletivo, da ancestralidade que me formou. O Brasil precisa disso. Precisa de esquerda com gestão. Com meta. Com entrega.

Se eu mudar de partido um dia, será por expansão de rota — e não por abandono de origem

Ainda sou filiado ao PSOL. E tenho muito orgulho disso. Mas não estou preso a ele. Estou preso aos meus princípios — e aos rostos que me olham nos bairros e me dizem: “segue firme, Gui, você representa a gente”.

O dia que eu mudar de legenda, será porque encontrei outro instrumento que me ajude a tocar a mesma canção: a de um Brasil menos desigual, mais humano, mais comunitário e mais plural.

Finalizo com uma escolha simples: continuar lutando com afeto, sem perder a clareza

Não nasci pra ser unanimidade. Nasci pra ser ponte entre a dor e a esperança. E sigo em movimento. Sem me ajoelhar ao capital, sem me render ao ódio, e sem me calar diante das injustiças. Porque como disse Abdias do Nascimento: