Por Guilherme Nascimento
Há uma praça em Marataízes que, mesmo pequena, concentra uma grande confusão — não geográfica, mas simbólica. Oficialmente, desde 1995, ela se chama Praça Antônio Hautequestt Filho, conforme lei publicada no Diário Oficial. No entanto, há muito tempo o povo a chama de Praça do Herivelto — nome que circula de boca em boca, nos eventos populares e nas redes sociais. Agora, para complicar ainda mais o cenário, setores da prefeitura passaram a chamá-la de Praça da Bíblia, em publicações oficiais e eventos recentes.
Mas afinal: qual é o nome da praça?
Nomear é um ato político
Dar nome a um espaço público não é uma decisão qualquer. É um ato político, simbólico e cultural. Significa reconhecer trajetórias, afirmar memórias e escolher que histórias serão eternizadas na paisagem urbana. Quando o nome de uma praça muda — ainda mais sem diálogo com a população — algo muito mais profundo do que uma simples placa está sendo alterado: a relação entre o povo e seu território.
Em um município onde as praças são espaços fundamentais de convivência, cultura e fé, não é aceitável que se façam mudanças de nomes com base apenas em decisões administrativas. É preciso participação. É preciso escuta. É preciso respeito.
Memória popular não se apaga com decreto
Se a maioria da população conhece o local como “Praça do Herivelto”, por que esse nome nunca foi oficializado? Quem foi Herivelto? Qual é sua história? O poder público, antes de qualquer alteração, deveria investigar a origem e o motivo dessa nomeação popular. Será que era alguém que marcou a comunidade? Um morador, um artista, um comerciante? Essas são as perguntas que se impõem quando se respeita a cultura local.
Mais do que impor nomes, a gestão pública deveria promover campanhas educativas que valorizem os nomes populares e expliquem suas origens. Afinal, o nome que o povo dá é o nome que o lugar carrega no coração.
A laicidade como princípio constitucional
A nomeação recente de “Praça da Bíblia” levanta outro debate sério: a laicidade do Estado. O Brasil é constitucionalmente laico. Isso significa que o poder público não pode privilegiar nenhuma religião em detrimento das demais — e muito menos transformar um espaço público em território simbólico de uma fé específica.
Não se trata de ser contra a Bíblia ou qualquer religião. Trata-se de garantir que o espaço público seja verdadeiramente de todos: católicos, evangélicos, umbandistas, candomblecistas, espíritas, indígenas, ateus, agnósticos, e tantos outros. O espaço é coletivo. O nome também deve ser.
O que deveria ser feito?
Antes de mudar qualquer nome, a prefeitura deveria realizar:
Uma pesquisa oficial sobre a história da praça e seus nomes.
Uma campanha educativa explicando quem foi Antônio Hautequestt Filho e de onde surgiu “Herivelto”.
Uma consulta pública, com ampla divulgação, ouvindo a comunidade sobre qual nome melhor representa a identidade daquele espaço.
Isso se chama democracia cultural. É o mínimo que se espera de uma cidade que quer crescer respeitando sua história e sua gente.
A praça é do povo
Em tempos em que a política parece cada vez mais distante da vida real, é nas pequenas coisas — como o nome de uma praça — que se revela o quanto uma gestão valoriza ou ignora a voz popular. Nomear é também escutar. Escutar o território, a tradição oral, a memória afetiva.
Se o nome que vive nos documentos não vive na boca do povo, então algo precisa ser revisto.
A praça é do povo. O nome também deveria ser.









