Nesse último fim de semana foi realizada a solenidade de sessenta anos de fundação da Academia Cachoeirense de Letras, da qual muito orgulhosamente faço parte. Cerimonialmente bem-organizada e com momentos de grande emoção, o evento foi capaz de tirar Sérgio Neves de seu auto exílio-reclusão paterna no mítico Morro dos Cabritos, para surpresa de muitos presentes.
O momento me foi bastante agradável. Guardo com carinho os tempos da minha juventude quando Evandro Moreira me advertia que escrever não era desabafo. Não há mais como debater esse assunto com ele, visto sua saúde debilitada, mas sustento minha rebeldia. Escrever é sempre desabafo, tanto mais enganoso quanto sofisticado.
Passado os dias da Bienal e da solenidade, em junho vem a festa da cidade, e esperamos a volta da Festa da Praça Vermelha na sua versão original. Será, sem dúvida, agradável ver anticomunistas convictos visitando a velha festa e bebendo felizes junto aos amigos comunistas como se não houvesse eleição. Uma esperança para o decadente radicalismo que ainda ressoa.
Meu prezado leitor, que não é morador de Cachoeiro ou mesmo sendo não está ainda incorporado às manias da cidade, há de se questionar sobre o sentido de todas essas coisas. Ora, uma cidade média de um estado pequeno, para que ter Academia de Letras? Qual sua relevância? Ou pode pensar sobre o que querem os comunistas com uma festa de uma praça que nem mais existe, sob égide da cor que é o pesadelo da turma que não dorme com medo de bicho papão. Os incautos desconhecedores de História podem até achar que é algum tipo de conspiração para acabar com a cara carrancuda do Brasil atual. E é mesmo.
Ah, meu prezado leitor. Não há muito o que dizer a quem não experimenta as vibrações desses repertórios tão únicos e que se apropriam mais de nós do que nós deles.
Mas talvez uma referência ao “deus do trovão”, Thor, quando sua terra natal Asgard foi destruída conforme previsto na profecia do Ragnarok, possa trazer luz a quem ainda se vê curioso.
Cachoeiro de Itapemirim – e qualquer cidade natal com que se guarde alguma referência de pertencimento – não é um lugar, uma instituição ou um espaço físico.
Cachoeiro de Itapemirim é uma ideia. E ideias nunca nos deixam.