Hora do almoço, enchente no Rio Itapemirim e o primo João Vicente saiu de casa, rua Moreira 127, bairro Independência, Cachoeiro, em direção à escola. A ponte de pedestre Aylton Coelho Costa estava em construção.
A caminho, o moleque foi fiscalizar a obra e a cheia do rio. Na entrada da ponte, admiradores curiosos monitoram a temida enchente. João sem medo chegou e entrou até a metade da ponte. Veloz e barriguda, à água levou a ponte e o menino. Um Deus nos acuda.
Sem redes sociais, mães de lenços nas cabeças, colheres de pau nas mãos e aventais molhados e encardidos, deixaram panelas no fogo. Gritarias sociais instantâneas foram escutadas e aglomeradas com suplicas: Socorro, Nosso Senhor dos Passos! A ponte caiu e a água, sem cabelo, levou “o menino maluquinho”.
Nervosa, tia Aline chegou e esculachou: – Mãe irresponsável, desnaturada. Deixar o filho na ponte sobre o rio guloso.
Olhos incrédulos viram o menino e os escombros arrastados em direção à volta do caixão. Érika Medeiros, mulher guerreira, que dorme com João, fez uma festa nos 40 anos do marido. Houve relatos em vídeos sobre o João. Mais de 20 anos passados, o vídeo-confissão da tia Aline surpreendeu até o filho: – Aquela mãe irresponsável, esculachada por mim, que deixou o filho na ponte, era eu. Admitiu.
Dias atrás, fui encontrar com o João no bairro Amarelo, Cachoeiro. – Vou no Bar do Tonho, bairro Coronel Borges, avisei.
Yuri, filho do João, sóbrio, paternal, mandou logo: – Vocês não vão dirigindo. Obediente, falei. – Tá, vou a pé. – Tô dentro, disse João. Caminhamos acompanhados de causos e lembranças.
Atravessando a dita ponte, paramos e olhamos para baixo. Contemplamos nossas vidas passadas nas corredeiras serpenteadas e sentimentais do tempo. – Como sobreviveu?, perguntei. – Fui levado até certa distância pela correnteza, nadei até a beirada, agarrei troncos e galhos, subi e fui para a Escola Tio Patinhas, contou.
– Tomou banho de chuva moleque? – perguntou a ressabiada professora Ivonete.
– Não, a ponte caiu comigo. Só isso, respondeu Maluquinho.
A professora agarrou a orelha de João, torceu e falou: – Mentiroso, tá de castigo. Se enxuga e vem estudar!