Depois de quase seis décadas, a antiga Praça da Estação (Posto Oásis) vai voltar ao domínio da sociedade. Foram muitas idas e vindas, ações e recursos na esfera judicial, mas, enfim, ganhou o munícipe que terá de volta um espaço público nobre no coração de Cachoeiro de Itapemirim.
A história é antiga, remonta à primeira metade do século passado. Ali, onde está com os dias contados um posto de gasolina, era uma área de propriedade de Colatino Coelho, que possuía um hotel nas imediações, o Dormitório Coelho. Era irmão de Maurílio Coelho, fundador da centenária Fábrica de Pios.
Colatino negociou o terreno com o município para que se fizesse uma praça defronte à Estação Ferroviária, de forma a embelezar o local e servir de área de lazer para os passageiros que chegavam aos borbotões pelos vagões da Leopoldina Railway e pernoitavam nas hospedarias do entorno.
Também fincados no mesmo quarteirão estavam outras hospedagens, como os hotéis da Estação, Emery e Imperial. O primeiro, onde hoje está uma galeria de lojas (ao lado da Caixa), era de propriedade da Adamastor Melo, pai de Dona Alba, casada com Basílio Pimenta Coelho (primogênito de Maurílio). O segundo ficava à rua sobreposta, paralela à estação de trens, e o terceiro à esquina da mesma.
Mais adiante, já quase no centro da cidade, reinava o Hotel Itabira, da família Carone, com uma clientela mais sofisticada. Em 1962, por exemplo, o Itabira hospedou o lendário time do Botafogo, de Garrincha & Cia, que ganhou tudo que disputou, para inveja dos concorrentes. Personalidades ilustres e políticos importantes também se hospedavam no único hotel com elevador na cidade.
Cachoeiro era a cidade referência para o comércio regional. Na Praça da Estação, se ajuntavam os hóspedes, em sua maioria mascates e caixeiros viajantes que negociavam chapéus, guarda-chuvas, tecido, bacalhau, carne seca, ferramentas e tantas outras mercadorias e especiarias que engrossavam o movimento no bairro Guandu.
Não demorou, a praça passou a servir também aos casais de namorados e às crianças, filhas e filhos de moradores e comerciantes das imediações. Ali brincou o rei Roberto Carlos, ainda um pequeno príncipe. Seu pai, Robertino Braga, possuía defronte ao logradouro uma relojoaria. Ele chamava atenção da meninada pelo constante uso de um monóculo, sempre atento às minúsculas peças que compunham o objeto de seu ofício.
Ladeados à oficina de Robertino, estavam a venda de secos e molhados do Seu Ganhoto, a barbearia de Neném Pimenta e a Selaria Mendes, que vendia arreios, cordas, cabrestos e outros artefatos para montarias. Também dividiam o entorno o incipiente salão de Lauro Prates, um cabeleireiro de mão lisa, e o bar dos Misse (depois virou a tradicional loja de presentes A Mestiça, da mesma família).
Enobrecia o quarteirão o prédio de Eupídio Volpini, o sujeito mais rico do pedaço, fundador da Fábrica de Cimento Ouro Branco (hoje Nassau). Ele morava na cobertura do imóvel onde agora está a farmácia de manipulação Moulin.
Vivíamos a plena era do rádio, ainda sem as modernas televisões com imagens em preto e branco. Era muito caro, por exemplo, um álbum de fotografias. Mas o casamento de uma das filhas de Eupídio foi todo filmado, como no cinema. Um sonho ao alcance de poucos.
Em 1965, o prefeito Abel Santana passou a Praça da Estação à iniciativa privada. Ouvi de gente da família Coelho que aquilo não podia ser feito, pois em algum cartório de Cachoeiro dormitava um documento com uma cláusula que impediria o negócio.
Entretanto, ninguém reclamou, afinal, o posto de combustível era o progresso chegando a galope para abastecer os automóveis que inundaram a cidade a partir dos anos 60. O desenvolvimento de Cachoeiro deixava as carroças e os burros para trás.
Por fim, conto a vocês apenas o que me contaram meus pais, tias e avós. Sem precisão ou pretensão de acerto. Vale mesmo é que a praça está voltando para quem de direito, ao povo e à história de Cachoeiro, onde muitos outros capítulos ainda se escreverão por ali.
Em tempo: dedico com carinho esta crônica à tia Uyara Coelho Marins, que, no pedestal dos seus 87 anos, acumulou a sabedoria dos tempos e foi a principal fonte de informação para o texto acima. E que esta dedicatória se incorpode como parte da própria crônica, para que se algum dia for publicada em livro ou lida noutro meio de comunicação, guarde sempre a memória desta grande mulher cachoeirense.
Até!!