Encontrei uma amiga indo pra casa no bairro Independência, em Cachoeiro. Tinha comprado pão.
– Vem tomar café, chamou.
– Vou daqui a pouco.
– Oba!!.
Cheguei com queijo e ricota.
– Mora sozinha?, perguntei.
– Com mãe.
– Chama ela, sugeri.
Marcelo, me apresentei. Mineira de Barbacena e olhos azuis.
Cafés vespertinos se tornaram um hábito alimentado por nós. Degustação vespertina partilhada e celebrada. Trampolim para o afeto e amizade.
Amigo da Dona Maria, nunca a chamei pelo nome. Madrugada cachoeirense, engatei a marcha ré na camionete e entrei acelerado no beco estreito que dá para sua casa. Dona Maria. Dona Maria. E nada.
Ligeira como uma tartaruga. Se fosse filmada em câmera lenta andaria para trás. Dona Maria. Dona Maria. O Bairro acordou preguiçoso e furioso.
A vizinha Elyanara Gonçalves, o veneno, cutucou o marido embriagado. Pega a garrucha e atira na goela desse filho de uma égua sem mãe. (Aí me complica, Elyanara. Filho de uma égua tem mãe) Tá debaixo da cama infeliz, ao lado do penico. Mijado, Catatau resmungou: “Pra quê penico, Jararaca”.
Vazei. 10 km depois, no trevo da Safra, Dona Maria acende a luz. Mais 13 km cheguei e deitei para dormir. Só aí ela abriu a janela e me procurou. Zangada, xingou: – Filho da puta. Apressadinho.
Indaguei sobre sua infância em Barbacena. Falou do frio, das frutas e da Dona Cotinha. Uma vez, falou um monte. De repente, parou séria, me olhou desconfiada e perguntou: – Cê tá prestando atenção?
– Tô ouvindo, mas sem prestar atenção em nada, respondi.
Sisuda, fechou a cara. Quando ia me esculachar, sem controle, caiu na risada.
Daí pra frente, sem prestar atenção um no outro, assistidos pelo ET de Varginha, só tivemos conversas transcendentais.
Doente, sem memória por 8 anos, fui visitá-la. Uma mulher simpática apareceu.
– Sou Marcelo, amigo. Vim ver Dona Arlete, falei.
– Nega, se apresentou a cuidadora.
– Ei Dona Maria! É o Marcelo!, fiz contato.
Banho tomado e distante das cansadas preocupações. – Cadê Dona Cotinha de Barbacena?, questionei.
Os olhos azuis brilharam e me reconheceram. Boto fé nisso. E ninguém tem autoridade para me desmentir. Descansa em paz, Dona Maria.