Final de ano letivo e era dia de formatura no Sistema Prisional. Elas, como sempre, vieram em fila Indiana, coladas às paredes, mas já estavam acostumadas a andar assim. Por favor, sentem-se e esperem um pouco, pois logo irão vestir a beca, diz a agente.
As moças, olhares furtivos, um ou outro olhar mais debochado, mostrando um quê de rebeldia. Mas pouco a pouco foram relaxando e os olhos baixos, como sempre, começaram a brilhar ao ver o material de maquiagem que as professoras levaram. Poxa, há quanto tempo não viam um rímel, um lápis de olho ou mesmo um batom.
Foram para uma sala se preparar. Quando saíram, eram mulheres, não apenas aqueles vultos amarelos que nos acostumamos a ver quase que diariamente. Incrível, mas eram gente, gente assim como todos naquela sala, e, para ser sincero, bonitas. Os olhos, sempre os olhos, foram os primeiros a trair seus sentimentos e emoções ao ver os familiares sentados do outro lado da sala.
A cerimônia começa e são convidadas as autoridades para compor a mesa, uma a uma, talvez um ritual parecido com a liturgia das salas de júri ou audiências com as quais estavam familiarizadas. Novamente os olhos falaram, mostrando um orgulho meio sem razão de ser, mas que era a única arma que tinham naquele momento, ainda mais agora com rímel.
Restava, porém, levantar a cabeça e mostrar que, apesar de tudo ou mesmo de nada, não estavam ainda derrotadas, pelo contrário, eram vencedoras de um combate extremamente desigual, onde os poucos aliados estavam ali de jaleco branco, com olhos úmidos e corações apertados, mas orgulhosos do seu trabalho de ensinar em condições tão adversas.
Aquele canudo de papel poderia ser o passaporte para um outro mundo, desde que elas quisessem. Terminada a cerimônia, o orgulho de nos apresentar os familiares, como se quisessem se justificar e dizer que pelo menos nisso eram iguais a todos os outros daquela sala.
A seguir, vieram as despedidas, elas tinham que voltar às suas celas. Ao receberem ordens de ir para uma sala anexa e retirar a maquiagem para retornar, uma delas ainda conseguiu encontrar uma fina ironia ou fatalismo para me dizer baixinho que devia ser meia-noite e a carruagem voltara a ser abóbora.