– Olha a trave!
– Olha a trave!
Fui à Feira Agropecuária no Parque de Exposições, em Cachoeiro de Itapemirim, com o primo João Vicente. De longe, avistei o amigo Márcio Helen, morador da cidade de Itaperuna (RJ), acompanhado do Beto Cunha, de Apiacá. Márcio relembrou os gritos desesperados de:
– Olha a trave!
– Olha a trave!
Vou explicar. Há trinta e poucos anos, eu, Márcio e Paulo Borges, numa tardinha nesse mesmo parque, na festa magna da cidade, bebíamos numa barraca na parte alta do Parque. Montando um belo cavalo da raça Quarto de Milha, passa o Alexandre Borges. Jovem, sem juízo, levantei da cadeira, bati a mão na anca do animal e pulei na garupa. Quando travei as pernas no vazio, parte baixa da barriga do cavalo, ele danou a pular. Pensa num animal valente!
– Eu vou cair! Tá me machucando! Eu vou cair! – gritava Alexandre.
Destravei as pernas e o cavalo parou. Ele desceu zangado.
– Deixa eu dar uma volta, pedi.
Mesmo não gostando, deixou. Segurei as rédeas e rezei baixinho:
– Me proteja meu Deus, este bicho de quatro patas não pensa! O pau vai quebrar na casa de Noca.
Descemos embalados para parte baixa e entramos no picadeiro. Afrouxei as rédeas e gritei com o bicho sem juízo. Ele fincou as patas no chão e saiu em disparada (no dia anterior, neste picadeiro, teve um jogo de “futebol” dos “artistas” de novela. Coisas de “gestores” de cidade interiorana). Escutei vindo do alto uma voz celestial desesperada:
– Olha a trave, olha a trave!
Meu Deus!
Num piscar de olhos, deitei o corpo e passamos por debaixo da trave. Salvo da morte, embalados, avistei dois homens desavisados sentados na parte alta cimentada do picadeiro, ao lado do portão. Pensei: “Vou dar um susto neles. Ao chegar próximo vou esbarrar e fazer esse cavalo parar e encostar a bunda no chão”.
Há poucos metros, puxei as rédeas e tentei parar. Para minha surpresa, ele não obedeceu. Naqueles segundos que antecederam a tragédia, soltei as rédeas, lembrei de Nossa Senhora Aparecida e falei para o bicho sem juízo:
– Vai. O comando agora é seu!
Voamos juntos e passamos ao lado dos homens. Sem cometer falta, aterrissou. Em seguida caí enganchado na sela. Incrédulo, vivo e sem saber o que falar. Alexandre Borges chegou nervoso e falou:
– Me dá esse cavalo! Vocês vão se matar.
Procurei os homens para me desculpar. Até hoje não achei. Depois de trinta e pouco anos, Márcio Helen me pergunta:
– De quem era aquele cavalo Marcelo?
– Alexandre Borges, respondi.
Não, discordou. Olhou para o Beto Cunha e falou:
– Era Indu, Beto, o seu cavalo campeão de provas. Eu vi tudo lá de cima, Marcelo. Fui eu quem gritou “Olha a trave! Olha a trave!”.
Silenciei agradecido.
Anos mais tarde, com a esposa e o pequenino Pedro, fomos passear na exposição agropecuária de Atílio Vivácqua, cidade vizinha. Lá no parque, montado num tordilho claro da raça Manga-larga Marchador, um conhecido me fala:
– Vê se aprova, Marcelo. Dá uma voltinha.
Montei e andei na cômoda marcha batida. Perto do portão de entrada pedi:
– Me dá o Pedro!
Segurei ele com um braço e com o outro as rédeas. E marchamos acomodados.
No final do picadeiro a mesma loucura. Segurei o Pedro com firmeza, afrouxei as rédeas e disparamos. Há poucos metros do final, esbarrei o cavalo ajuizado e ele parou. Logo olhei para Pedro, preocupado com a sua reação.
Ele me olhou sorridente, avalizando a loucura. Sem precisar assustar a amorosa e ajuizada mãe, já assustada, que entrou no picadeiro com os olhos arregalados, pegou a sua cria e falou:
– Você parece que é louco!
Parece é o meu avalista.