Liberto das correntes prisioneiras, ouvindo Bob Marley pedalo embalado pelo reggae, dançando liberdade. Passo em frente à Igreja Nossa Senhora dos Navegantes na Barra de Itapemirim. Entro à esquerda, antes da ponte sobre a foz do Rio Itapemirim. Desço da bicicleta, olho os barcos da carpintaria naval e o Palácio das extintas Águias. Empurrando a magrela, vou até o tombado e arruinado Mercado Trapiche, contemplar o ninhal das garças.
Enquanto viver, vou pensando para existir, me preservando, construindo e reconstruindo o meu patrimônio passageiro. Sei que um dia vou tombar, mas antes do derradeiro tombamento, vivo me preservando, pensando e existindo. Gosto de ir à foz ver o Rio Itapemirim se derramar. Admiro a sua corajosa transformação.
As amigas garças me confidenciaram que ele, por precaução e necessidade, com taxas altas de glicose, disse que não quer mais doce. Cansado e preocupado, mudou o seu paladar e deseja serenar seu curso em águas calmas e salgadas.Com secreta humildade, sem ser da capital, como uma mãe zelosa, cuida de nós, filhos presunçosos e desatentos.
Deitado, cheio de amor e devoção, desce serpenteando, embalando nossas vidas com poemas, crônicas e canções. Hoje, saudoso da doce terra, mas machucado pelas pequenas pedras no caminho, mudou o seu curso. Disse adeus e foi morar em águas distantes, profundas e pacíficas. Retirado, contempla saudoso o Frade e a Freira, o Pico do Itabira e o pôr do sol cachoeirense.