Eu nunca gostei da Xuxa. Não da pessoa em si, que não conheço e só sei que tem uma filha, Xaxa. Não gosto do personagem Xuxa. Quando criança eu gostava de Balão Mágico e me divertia com o horroroso fofão. Mas a Xuxa nunca me desceu. Nunca gostei. Então, prezado leitor ou leitora, não é pessoal.
Quem já foi casada comigo sabe: Xuxa para as crianças não. Eu sempre dava um jeito de meus filhos assistirem Cocoricó. O Júlio e sua turma do Paiol podem até ser lá meio chatinhos, mas Xuxa não.
Meu problema com a Xuxa já começava na abertura do programa, quando ela começava a cantar com aquela voz horrorosa e artificialmente equalizada: “Tudo pode ser, se quiser será”. Eu era criança, mas não era idiota. Vivia cheio de limitações financeiras. Eu sabia muito bem na prática que não era daquele jeito. Eu podia querer várias coisas, mas simplesmente não tinha dinheiro para comprar. Aí piora: “Tudo que eu quiser, o cara lá de cima vai me dar”. Eu não sei quem é esse cara lá de cima. O cara lá de cima para mim quando criança era meu tio. E ele não me dava tudo que eu queria. E felizmente, porque como meu pai era um camarada meio ausente, aprendi com o cara lá de cima – no caso meu tio – que a gente não pode ter tudo que quer, e que ninguém dá nada para ninguém. A gente precisa ir atrás, e mesmo assim, as vezes não consegue. Mas a moça do X não para nunca. E ela vai mais longe “somos invencíveis, pode crer”. Eu, invencível? Era derrota atrás de derrota e eu tinha de levantar a cabeça e seguir em frente.
O meu problema maior com essa conversa de “tudo que eu quiser” é que simplesmente é mentira. E uma mentira perniciosa, maldosa, que gera sofrimento para as pessoas que caem nesse conto de fadas contado por essas raras pessoas escolhidas pelo sistema desigual para fazer acreditar que qualquer um tem chance. Não é assim. A vida tem limitações, sempre. E o segredo de viver feliz a meu ver é lidar com essas limitações, superá-las, ultrapassá-las sim, mas nunca as ignorar.
Outro dia chegou um rapaz lá na academia querendo lutar igual o Rock Balboa. Primeiro que o Rock Balboa é um personagem, ele não existe. E segundo que se ele fosse real seria um péssimo boxeador e jamais seria campeão (via-se que o rapaz não entendia nada da nobre arte). E terceiro, o iludido rapaz tinha uns 30 anos. Nessa idade não dá mais para ser a nova versão do Mike Tyson.
Quando eu tinha 12, 13 anos, eu podia ter feito uma escolha na minha vida. Ser músico. Eu tinha já algum conhecimento significativo. Fui para o conservatório com sete anos. Naquele momento podia ter feito essa escolha. Imagino que eu teria até uns 16, 17 anos para decidir se eu queria ser um novo Pepeu Gomes ou rivalizar com Joe Satriani. Mas eu escolhi outro caminho, e hoje eu simplesmente não tenho condições de dedicar sete a oito horas de prática por dia para ser um guitarrista de alto rendimento. O máximo que vou conseguir é tocar vez em quando com os amigos no Moustache ou onde nos convidarem. E vou ficar feliz demais.
Até agora só me referi às limitações físicas, naturais, da idade. Fora todas as limitações econômicas, sociais, às quais estamos submetidos em maior ou menor grau. E que são constantemente ignoradas principalmente por indivíduos que se percebem como bem-sucedidos por mérito, mesmo tendo, desde criança, usufruído de privilégios sociais e econômicos que lhe garantiram a possibilidade de escolher. A maioria, prezado leitor, não tem essa liberdade de escolha. Eu não tive.
Sou um sociólogo e professor realizado, feliz. Mas essa não era minha primeira opção. Queria ser jornalista, como o Basílio Machado. Na época não tinha faculdade de jornalismo em Cachoeiro e minha família mais que não ter condições de me bancar em outra cidade, dependia do meu trabalho para sobreviver. Eu, que nem vim de uma realidade tão dramática, comecei a trabalhar de carteira assinada na Viação Itapemirim com 16 anos, e não foi por opção. Foi por necessidade.
Pois é meu prezado leitor, é preciso muito cuidado com essas frases feitas de motivação. São boas para vender livros e cursos on line, mas na prática podem causar muito sofrimento e pouca motivação de verdade.
Eu nunca gostei da Xuxa. E isso me poupou de muitas frustrações na vida.