“Nossa literatura é uma das mais poderosas do mundo”. Membro da AEL e da ABL, Carlos Nejar ecoa sua voz em defesa do escritor brasileiro
por Romulo Felippe
Embora nascido em Porto Alegre, em 11 de janeiro de 1939, as raízes do coração de Luiz Carlos Verzoni Nejar estão fincadas em terras capixabas. Afinal, viveu anos dos mais felizes em seu Paiol da Aurora, em Guarapari. Membro da cadeira 16 da Academia Espírito-santense de Letras, e ocupante da cadeira 04 da Academia Brasileira de Letas – ambas instituições centenárias –, Carlos Nejar é uma das mentes literárias mais brilhantes do país. Não à toa é considerado um dos trinta e sete escritores-chave do século passado, entre trezentos autores memoráveis, compreendidos de 1890 a 1990, segundo ensaio do crítico suíço Gustav Siebenmann, Poesía y poéticas del siglo XX en la América Hispanica y el Brasil (Ed. Gredos, Biblioteca Romântica Hispânica, Madri,1997).
Autor de um número incontável de livros e honrado com diversos prêmios no Brasil e no mundo, além das várias indicações ao Nobel da Literatura, Nejar demonstra que o autor brasileiro “não deve nada ao mundo”. Ele discerne sobre seu amor pela literatura, com forte influência paterna; sobre a honra de pertencer a duas academias tão importantes no cenário nacional; e, entre outros temas abordados, responde se o livro existirá daqui um século: “ainda sou apegado ao livro impresso: posso tocá-lo, senti-lo”, afirma. Por fim, o ‘pampiano capixaba’ nos presenteia contando uma passagem de sua amizade com o ‘sabiá’ da crônica brasileira, o cachoeirense Rubem Braga.
Como surgiu a paixão pela literatura?
Carlos Nejar: Não somos nós que escolhemos a Poesia. Ela que nos escolhe. O mesmo acontece com a criação. Apenas quando estudava no Colégio do Rosário a “Eneida”, de Virgílio , ou a “Ilíada”, de Homero, admirava a forte épica desses livros, lia, relia, como algo de que gostaria ter feito. Mas só criamos quando sabemos os nossos limites.
E a quem deve esse vínculo com os livros?
Devo ao meu pai Sady Nejar, que, apesar de comerciante de fazendas, cercou-me de uma biblioteca rica de autores como Shakespeare, Camões, Machado, Júlio Verne, Eça de Queiroz e outros. Ali descobri que as palavras têm mundo, percebi o seu amor. E as palavras então me amaram.
Com toda a sua vivência, ao fitar o horizonte futurístico qual o papel que os livros desempenharão no dia de amanhã? Mais ainda: o livro impresso existirá daqui um século?
Ainda sou apegado ao livro impresso: posso tocá-lo, senti-lo. Até para negar o livro impresso, publicarão no papel. Mas com o tempo, continuará o livro eletrônico, como instrumento de leitura, ocupando seu espaço. O que importa mesmo é a palavra e sua duração.
Como incentivar e contribuir para a formação de uma nova geração de leitores e escritores?
Com a invasão do celular e do computador, o leitor jovem ficou mais preso ao poder da imagem do que da palavra. Mas o caminho é ler, para criar. Não se cria sem a tradição. Mas creio que, após a covid, que nos prendeu em casa, virá necessariamente a necessidade da cultura, que se ampliará como escolha fundamental, mudando o pensamento e abrindo a clareira de muitos leitores em nova civilização.
Falando em Academia. Comecemos pela nossa casa, a AEL. Quando eleito, o que representou para a sua vida naqueles dias ocupar a cadeira 16 da nossa arcádia centenária?
Foi uma alegria para mim, ao ser lembrado. Recordo que minha posse teve uma festa no palácio do nobre Governador do Estado, Albuíno Azevedo. E fui saudado na Academia pelo grande saudoso Poeta, mineiro capixaba, Roberto Almada. Estava anônimo em Vitória e me reconheceu na rua. Tinha sido leitor de meu livro “Memórias do Porão”.
Aliás, tens um coração enraizado no Espírito Santo?
Sim, sou um pampiano capixaba. O amor de Elza me levou do vento do Rio Grande ao do Espírito Santo. Hoje, por iniciativa de um afeiçoado amigo, Dr. Dayan Rosa, foi fundado o Instituto Paiol da Aurora – Carlos Nejar, com um grupo generoso participante da diretoria, confirmando meu vínculo com esta terra, onde sou Cidadão de Vitória, Cidadão do Espírito Santo, Cidadão de Guarapari e da cidade de Roberto Carlos, Cachoeiro.
Qual é a missão preponderante, hoje, da Academia Brasileira de Letras?
A missão da Casa de Machado é a de defender a língua e a literatura brasileira, bem como o que interessa culturalmente ao país, numa sociedade fraterna de escritores. Com publicação de livros, conferências semanais, trabalhando a criação contemporânea.
Sobre suas indicações para a disputa do Nobel da Literatura. Como as recebeu?
Sim, recebi, há anos, várias indicações ao Nobel de Literatura, desde a direção da cientista Maria Beltrão, do Pen Clube do Brasil, à Academia Brasileira de Filosofia, através do saudoso filósofo Ricardo Moderno e o atual Presidente, Edgar Filho, como pela Academia de Letras de Brasília e tantas outras instituições do Brasil, Espanha e França. Recebi honrado todas as indicações, esperando com certeza de um dia o Brasil, com tantos escritores universais, pode ainda ser galardoado, o que será possível só a Deus, considerando a política que o bafeja e a concorrência mundial. Mas no impossível não há concorrência.
Por que ainda impera certo preconceito com o escritor brasileiro lá fora? Ou há mercado para nossos autores contemporâneos?
O preconceito também é nosso, um instinto de pequenez, ou supervalorização do Exterior. Não devemos nada ao mundo, o Brasil é um Continente e ainda, com o cansaço europeu da guerra, seremos, não apenas pela nossa natureza, a Amazônia, lembrados e valorizados, mas por nossa literatura uma das mais altas e poderosas do mundo, sem o seu desgaste.
…quiçá nomes tradicionais da nossa literatura!
Tivemos um Machado de Assis, Guimarães Rosa, Cecília Meireles, Drummond, Jorge de Lima, João Cabral, Erico Verissimo, Jorge Amado… O tempo do Brasil chegou e Deus é justiça. O mercado se abrirá, apesar do aparente isolamento do português, a falta de conhecimento da língua e da nossa cultura, tudo é político ou invisível, depois visível. O mercado é que terá interesse em nos reconhecer.
Uma mensagem para os capixabas e para os brasileiros.
Tudo acontece pela fé. Não apenas a palavra, também os sonhos. A construção é no impossível que dorme apenas e há que acordá-lo. Nós devemos acreditar tanto nos nossos fantasmas ou em nossas criações, que o universo inteiro passará a acreditar neles.
O PRESENTE INESPERADO DO BRAGA
“Rubem Braga foi meu amigo. Eu o conheci em São Paulo na entrega do Prêmio do Instituto Nacional do Livro, “Prêmio Jorge de Lima”, que me foi outorgado em 1970. Convidou a visitá-lo no Rio e fui seu hóspede no quarto onde esteve Pablo Neruda e João Cabral. Ia almoçar com ele, nas viagens do Rio Grande ao Rio. Um dia, na Editora Sabiá, com presença de Fernando Sabino, ao ver uma estatueta muito bela do Prêmio de grande Cronista que ele recebeu do Rio, ao elogiá-la, inesperadamente me alcançou a estatueta, dizendo: “leva, é tua. Como eu, é muito quieta, mas muito amiga de seus amigos!”. Eu agradeci, disse que só a tinha elogiado, mas Rubem insistiu como minha, diante do olhar espantado de Sabino. Então a abracei, levando-a comigo, no carro, para minha casa em Porto Alegre” (Carlos Nejar).
Romulo Felippe é titular da Cadeira 09 da Academia Espírito-santense de Letras
Fonte: Entrevista gentilmente cedida pela Revista Folha Literária