Não sei se foi ideia dele ou alguma ordem da minha avó, mas o fato é que meu avô construiu uma escola na sua propriedade. A ideia era facilitar a vida dos seus 14 filhos e dos filhos das pessoas que moravam nas proximidades. Ele entrava com o prédio e a prefeitura com os professores. Com o tempo as próprias filhas do meu avô, dentre elas minha mãe, acabaram iniciando suas carreiras docentes na escolinha. A escolinha está lá até hoje, e funcionando.
Se eu não fosse um cognitivista convicto, daqueles que rejeitam totalmente qualquer tese de qualquer coisa inata, seria tentado a acreditar que a educação está no meu DNA. Venhamos e convenhamos, seria um pensamento bem ingênuo. Meu avô construir uma escola na propriedade dele para facilitar a vida do seu monte de filhos é bem lógico e racional, assim como minha mãe trabalhar lá, já que dar aula era das poucas profissões acessíveis às mulheres da zona rural cinquenta anos atrás.
Além disso, não sonhava em ser professor desde criança. Pensei em ser arquiteto, mas descobri que não era só desenhar. Tinha que fazer muita conta. Embora tenha sido bom com os números em certa fase da infância, noutra os traumas da vida bloquearam a minha facilidade com as equações. Papai queria que eu fosse militar, cadete da Academia Militar das Agulhas Negras. Mas cá entre nós, disciplina militar não era algo que meu velho inspirava, embora fosse divertido passear no Batalhão do Exército que havia lá em Campos dos Goytacazes, onde vivi parte da infância. Hoje quando olho para alguns “exemplares” que saíram da famigerada “Agulhas Negras” – incluindo o nosso presidente recruta zero zero – fico bem feliz em nunca ter pisado lá.
Já na adolescência, caminhando para a juventude, queria ser jornalista. Já era fã de Rubem Braga e meu herói cachoeirense era Basílio Machado. Trabalhei na Rádio Difusora, no Diário Capixaba. Meu saudoso amigo Glauber Coelho uma época criou uma revista, e eu era o editor. Mas não tinha curso de jornalismo em Cachoeiro e eu não podia estudar fora. Fui fazer Ciências Sociais na antiga FAFI, hoje Centro Universitário São Camilo. Era o curso que mais se aproximava da Comunicação Social.
Peguei o gosto pela coisa durante o curso. Um dia pensei que queria dar aula ali mesmo, na Instituição onde eu estudava. E não é que deu certo? Antes de me formar eu já tinha conseguido entrar no time, ainda como estagiário. Formei e continuei na área. Certo dia veio o convite meio ordem meio comunicado que eu ia começar a dar aula na faculdade. Foi um baita voto de confiança já que nem especialização eu tinha naquele tempo. Se eu sou professor hoje a culpa é mais da dupla Vilma & Bessa (Vilma Dardengo e José Bessa, diretores da Instituição na época) do que da escolinha do meu avô.
Daí foi especialização, mestrado, doutorado e esse estágio que a gente faz para não passar fome depois do doutorado, que muitos enchem a boca para chamar de pós-doutorado.
Além do ensino superior – graduação, mestrado e doutorado – já dei aula para fundamental, médio, EJA, presídio. Onde me mandar eu vou, porque, sabe se lá por quais combinações astrais, meu negócio é esse, e como tudo na vida envolve aprender e ensinar, então acaba que qualquer negócio é meu negócio.
Muitos se esforçam para ver o trabalho na educação como um martírio, um sacrifício, uma missão, ou um tipo de oportunidade para salvar as almas perdidas da ignorância. Eu, cá do meu canto, não sou do tipo besta para tirar onda de herói. Cowboy fora da lei faz mais meu estilo. Meu grau de altruísmo deve ser um tanto limitado, já que eu não estudei para salvar o mundo. Estudei o que eu gostava, porque eu gostava. Entrei nessa brincadeira sabendo que a grana era curta, logo, não vou ficar pelas esquinas choramingando ou dando uma de herói não reconhecido.
Talvez o prezado leitor esteja muito decepcionado com minha pobre pessoa ao perceber que o pecador aqui é um pecador bem convicto. Mas a verdade é essa mesma. Sou professor porque gosto do babado, me divirto fazendo o que faço. E não tem salário baixo ou sacanagem do recruta zero zero que vai me tirar esse osso. Se fecharem todas as escolas, ao invés de vender miçanga na praia vou montar uma barraquinha para dar aula. E se me prender vai dar ruim, porque a cela vai virar sala de aula.
No fim das contas professor não é vocação, não é DNA, não é missão e nem é lá das profissões mais rentáveis do ano (faz muitos anos!). Professor é aquela praga incontrolável que corrói o mau humor dessa gente triste que quer que o mundo seja sempre igual.
(Gente triste e chata, diga-se de passagem)