O movimento das plataformas veio após relatos de parceiros deixando a profissão ou negando corridas para não ficar no prejuízo
O reajuste dos ganhos de motoristas anunciado pelas empresas Uber e 99 foi insuficiente, segundo eles, para compensar a alta recente de preços dos combustíveis e com a manutenção dos veículos. O movimento das plataformas veio após relatos de parceiros deixando a profissão ou negando corridas para não ficar no prejuízo.
O Estadão conversou com motoristas de apps, e a avaliação é de que a mudança foi tímida e que os ganhos foram consumidos pela inflação. Só o combustível teve alta de mais de 50% no ano. Já o reajuste das empresas nos repasses aos motoristas foi de até 35%, sendo de 10% em algumas regiões. A reportagem enviou questionamentos dos motoristas ao Uber e ao 99, mas as empresas não responderam diretamente às perguntas, ressaltando apenas os reajustes concedidos.
Para Tarcísio de Oliveira, de 42 anos, o valor repassado aos motoristas deveria subir entre 30% e 35% para recompor os custos. Ele trabalha com uma das plataformas há um ano. “Creio que não (foi suficiente o reajuste de 15% do Uber em Brasília), mas melhorou”, afirma o motorista, que calcula um ganho de R$ 50 a mais, com o reajuste, a cada 500 km rodados.
No ramo há três anos, João Paulo da Silva, de 26 anos, calcula que a margem de lucro dos condutores foi reduzida em até 40% no último ano. Com a alta dos custos, Silva mudou sua forma trabalho. Passou a preferir as corridas às quintas, sextas e fins de semana, quando a demanda por motoristas é mais alta. Em suas contas, a ocupação não compensava mais em dias de semana e nos trajetos mais curtos. Para Silva, o reajuste anunciado pelas empresas não vai mudar o cenário. “Esses passageiros que continuam tentando pegar essas viagens curtas vão continuar sofrendo da mesma forma. Com certeza, não (será suficiente para trazer gente de volta). Quem saiu do aplicativo, encontrou alguma coisa melhor.”
A avaliação é reforçada pelo presidente do Sindicato dos Motoristas Autônomos por Aplicativos do Distrito Federal, Marcelo Chaves. “O reajuste foi tão mínimo, pelo menos no Distrito Federal, que o motorista nem sentiu no bolso. Não resolveu muita coisa, não”, diz ele.
Motoristas que atuam pela Uber e pela 99 na Grande São Paulo ressaltam que o porcentual de reajuste anunciado pelas empresas não é fixo nem vale para todas as corridas. “Eles anunciam esses reajustes de ‘até’ tanto porcento, ou seja, pode ser que não chegue ao valor máximo. E não vale para todas as corridas, esse reajuste vai depender do horário, do local, do tipo de corrida, do passageiro, enfim, de inúmeros fatores para que o motorista receba esse reajuste”, explica Eduardo Lima de Souza, presidente da Associação dos Motoristas de Aplicativo de São Paulo (Amasp).
“Só neste ano, o combustível teve aumento de mais de 50%. Então, ainda está defasado esse reajuste, o motorista ainda sai perdendo”, acrescenta Souza. “Todo e qualquer reajuste ou aumento para uma categoria é sempre bem-vindo, mas esse em questão é insuficiente”, diz.
Para Souza, as parcerias com os postos de combustível firmadas pelos aplicativos também não ajudam – o Uber firmou parceria que envolve cashback para os motoristas com o posto Ipiranga, enquanto a 99 se juntou à rede Shell. “Essas parcerias são com as bandeiras que têm o combustível mais caro. É possível encontrar bandeiras com o valor da gasolina mais barato”, diz.
Rosemar Pereira, de 48 anos, que trabalha como motorista dos dois aplicativos, disse que os reajustes anunciados são “conversa fiada”. “Se for dar um aumento, que dê um aumento igual em todas as corridas, um aumento fixo, um aumento real. Precisamos de uma tarifa digna, para que possamos trabalhar tranquilamente e arcar com as nossas despesas”, diz.
Procurado, o Uber afirmou que, “com o aumento constante dos combustíveis”, tem “intensificado seus esforços para ajudar os motoristas parceiros a reduzirem seus gastos, com parcerias que oferecem desconto em combustíveis, por exemplo, assim como tem feito uma revisão e reajustado os ganhos dos motoristas parceiros em diversas cidades”. Já a 99 disse que os novos valores levam em consideração “o impacto negativo do aumento dos combustíveis sobre a categoria, considerando a manutenção do equilíbrio da plataforma”. “O objetivo é continuar oferecendo uma fonte de ganho para os motoristas parceiros e um meio de transporte financeiramente viável, seguro e eficiente para a população.”
Corrida cancelada se torna uma rotina
Passageiros que usam aplicativos de motorista particular relatam alta no preço e dificuldade para achar um motorista. Coordenador de mobilidade urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Calabria, atribui os problemas ao preço “irreal” e “surpreendentemente baixo” que as plataformas praticam no Brasil – o que leva à má qualidade dos serviços.
“Ter vários cancelamentos dos motoristas se tornou rotina”, diz a analista de redes sociais Camila Nishimoto, 25 anos, que costuma usar o Uber para se deslocar na Grande São Paulo. O preço também mudou. Em Brasília, a passageira Regina Picoli sentiu a diferença. Ela lembra que, em agosto, uma viagem do aeroporto de Brasília até sua casa custou cerca de R$ 30. Ontem, o preço cobrado foi de R$ 40. “Vi que aumentou bastante”, diz.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.