Desde pequeno gosto de chuva. Me lembro que na casa da minha avó, ali no Amarelo, ficava na varanda vendo a chuva cair por sobre o Sumaré. Nessa época meus pais haviam se mudado para Campos dos Goytacazes e eu ficava naquela ansiedade para vir a Cachoeiro onde a maior parte dos primos vivia.
Desde pequeno, também, vi que a chuva não trazia alegria para todo mundo. Ainda lá em Campos, vez em quando as ruas centrais alagavam e muito. O rio Paraíba do Sul – que já foi maior do que é hoje faz um tempo não muito distante – transbordava e a água entrava até na loja do meu pai na XV de Novembro, que o margeava. Mais para dentro da cidade, via garotos dando aqueles “de ponta”, tamanha era a profundidade da alagação.
Nunca fui afetado diretamente pela enchente. O córrego do Amarelo já chegou a jogar água na casa da minha mãe, sua vizinha. Eu já não morava mais lá. Até alguns amigos – inclusive de razoável condição – perderam muita coisa das suas casas à beira do Itapemirim.
Anos atrás, logo no primeiro mês do Casteglione como prefeito, uma chuva torrencial praticamente soterrou o distrito de São Vicente. Cheguei lá ainda no impacto da tragédia para ver o que fazer e me espantei de ver apenas o telhado das casas. Desolador.
De todas essas experiências, a pior, certamente, foi a de janeiro de 2020. Amigos e familiares que moram à beira do rio presos em seus prédios, literalmente sem ter como sair, enquanto a água não parava de subir. O medo tomou conta. E depois do medo, a devastação.
Símbolos que me eram caros totalmente destruídos. Juntei-me à turma dos atores para fazer o que dava, ao menos nos prédios ligados à cultura. Para quem não conhece Cachoeiro, o Centro Operário fica logo na beira do rio, e foi muito afetado. Inclusive, na sua estrutura física. A Casa dos Braga e a Casa da Memória ficam na mesma rua, mas no outro lado. Perderam documentos, mas os prédios ficaram intactos.
Na Fábrica de Pios, que fica quase dentro do rio, na Ilha da Luz, dava para ver a desproporção daquela enchente que vivíamos em relação à todas as outras que já atingiram a cidade. Foram dias de muito trabalho tirando lama desses lugares.
Também muito doloroso foi o teatro Rubem Braga. A estrutura física do Teatro é bem consistente, mas os equipamentos, poltronas, parte elétrica, tudo totalmente destruído. E o teatro não fica de cara para o rio. É do outro lado da rua.
Nem é novembro ainda, e as águas já estão aí assustando. Minha alegria de ouvir o som de chuva dura só um tempo. Após alguns dias desse som constante, a satisfação se converte em medo e pavor. E o pior, meu prezado leitor, é saber que a chuva, ainda que com seus altos e baixos, é inocente.
Nós é que, vindos depois dela, tiramos todos os seus espaços. O que ela faz, eventualmente, é retomá-los. A chuva só faz isso; retoma pedaços de chão que nós roubamos dela com nossas construções. Nós, querido leitor, é que nunca tentamos negociar com as águas, buscar um consenso, uma convivência saudável. Optamos sempre por roubá-la.
Sempre estamos a roubá-las. E pagamos caro.