Um colega de Universidade e que ocupa uma função extremamente importante no Governo do Estado me mandou essa semana umas fotos das goteiras do seu apartamento. Problemas de obra lá no prédio onde mora resultaram nele tendo que espalhar balde pela casa. Fiquei pensando em como um sujeito com tanta coisa para resolver pode ficar espalhando balde pela casa. E pensei que eu, embora não tão fundamental para a vida capixaba, andei tendo meus problemas.
De uns dias para cá foi a descarga do vaso que resolveu pifar; a mangueira da pia resolveu vazar e; por fim, a tomada da máquina de lavar parou de funcionar, o que me forçou a produzir uma gambiarra estilo MacGyver para conseguir lavar roupas. Fora a borracha da geladeira que está há uns três meses para trocar. Tanta coisa importante e séria para resolver e eu tendo que me ocupar de (não) resolver as coisas da casa.
Pensando sobre esses pensamentos – aprendizado da terapia – acabei me recordando que meu pai não sabia trocar uma lâmpada sequer. Ora, papel do homem é sustentar a casa, é o que ele pensava. O resto não lhe apetecia. E eu, com a ausência do meu pai, comecei a trabalhar com quinze anos de idade, carteira assinada. Se colocava dinheiro em casa eu não trocava a lâmpada. E com esse pensamento cresci sem saber trocar lâmpadas, sem saber trocar bujão de gás (morro de medo até hoje).
Mas a vida, prezado leitor, a vida dá voltas. Acredito que muitos dos leitores conhecem babacas como eu. Ou são babacas como eu. Porque esse babaca depois que casa não quer dividir as tarefas residenciais, não quer acordar a noite para atender os filhos pequenos, não quer cozinhar por obrigação (só fazer churrasco), não quer, afinal, trocar lâmpada nem bujão de gás. E muitas outras coisas mais que não considera dignas da sua posição de provedor.
O problema é que nós homens somos criados achando que o mundo gira a nosso redor. Que todos devem nos servir porque somos os provedores da casa, sofremos as agruras de trabalhar, somos sempre as vítimas do mundo e por isso merecemos nunca sermos incomodados no nosso castelo que é o lar, onde somos os reizinhos.
Um dia descobrimos que isso tudo era uma fantasia. Que o mundo não funciona mais assim. Que tudo mudou. E que essas ideias são tipo o “chifre” que fere tanto o orgulho do vulnerável mundo masculino, algo que colocaram na nossa cabeça sem correspondência com a realidade. Da frustração vem um esforço enorme para acreditar e fazer acreditar na fantasia.
Típico desse esforço é aquela postura de fanfarrão contando vantagens de coisas que não são reais, falando bobagens mentirosas que todos sabem que são bobagens mentirosas. Não raro esse esforço para manter a fantasia beira ou ultrapassa os limites da agressividade. E chegam aos elevadíssimos números de feminicídios e homicídios de proximidade que temos em nosso estado, boa parte deles resultantes dessa frustração masculina que se realiza no machismo violento e assassino.
É importante que o prezado leitor saiba que tem jeito de ser menos babaca. Uma das formas é a terapia. A outra é se informar. Mas, para que essas estratégias funcionem, é preciso ter mente aberta e desapegar das convicções enraizadas. De muita coisa que (des) aprendemos com nossos pais. Um livro muito marcante para mim foi “Homem: o sexo frágil?”, do psiquiatra Flávio Gikovate. Se tiver grana, compre. Senão, baixe pirata mesmo. Gikovate não vai ligar. Morreu esses dias (grande perda, aliás). A editora pode me processar por incentivar a pirataria, mas a causa é justa. Uma série divertida e provocadora que produz muitas reflexões é do Fábio Porchat chamada “Homens?”. Em geral eu acho o Porchat chato. Mas essa série eu achei bem interessante. E não sei em qual serviço de streaming está disponível. Tenha interesse e procura aí.
Outra “dica” mais imediatista é o clip do Tiago Lorc, “Masculinidade”. O rapaz conseguiu resumir muitos elementos de anos da minha terapia em uma letra de música. Bom rapaz.
E claro, não me esqueci de você, prezada leitora. Assista também, leia também. Importante compreender como funciona a mente babaca dos homens babacas. Para se defender das agressões, para reagir, e para apoiar aqueles que buscam mudança.
E quarta feira tem terapia, sem falta. E semana que vem tem mais texto, se a rotina de fim de ano de professor permitir!
Masculinidade, Tiago Iorc.