Meu prezado leitor, leitora, sou obrigado a reconhecer que durante muitos anos fugi da cozinha, não obstante os constantes avisos e apelos maternos. Mas chega um momento em que a vida se impõe. E as panelas passaram a fazer parte da minha rotina, ainda que no plano de uma não pequena incompetência a ser superada.
Não vou contar de novo a história de que comecei a trabalhar com quinze anos de idade como office boy na Viação Itapemirim. O fato é que, nessa época, eu passava o dia fora de casa e minha mãe também. E quem dava conta da comida em casa era meu irmão do meio.
Certa vez ele esqueceu o ovo que estava fritando na panela e o projeto de um futuro animal se incendiou enquanto o garoto de onze anos assistia seus desenhos preferidos. O episódio deixou marcas apenas no teto, felizmente. Eu, irmão mais velho, subchefe da casa na ausência do meu pai, trabalhando fora, ocupava o lugar daquele que não tocava em panelas e vassouras. O machismo envenena a gente muito cedo.
Anos depois, após muitas idas e vindas, cheguei à conclusão de que aprender a cozinhar a própria comida tinha um significado para além da comida. Ter autonomia quanto a minha comida era uma forma de enfrentar o machistinha que aprendi a ser muito cedo; que cozinhar para mim mesmo e para alguém era uma demonstração de cuidado, de carinho; que o “cozinhar” em geral oferecia um mundo de possibilidades técnicas, culturais, filosóficas, algo que caia bem ao meu jeito de viver. Comecei a experimentar.
Como gostava bastante de feijão, achei que seria um bom começo. Havia o sério risco da panela de pressão, algo que até hoje me assusta. Provido de todos os ingredientes, temperos organizados, receita em frente e telefone ligado todo o tempo com a amiga Thais Gava, enfrentei o barulho assustador da válvula de pressão. O resultado foi razoável.
Já de outra vez cheguei mais cedo em casa e resolvi preparar um macarrão para tomar com o vinho, que havia recebido de presente, na companhia da bela moça que à época me encantava. Imaginava que chegaria faminta da faculdade. A ideia geral era uma surpreendente demonstração de carinho que fosse, digamos, inusitada, considerando o quanto ela me conhecia. Me conhecendo tão bem, a bela moça entrou pelo portão segurando uma coxinha em uma das mãos e um refrigerante na outra. Foi decepcionante, mas não desisti.
Hoje, o assunto “culinária” é mais constante no meu cotidiano, resultado de meus encantos românticos atuais para além da culinária em si. Continuo sendo bem ruim na cozinha, com eventuais episódios de sucesso – pelo menos segundo meus generosos filhos – enquanto aumenta meu interesse por essa arte tão complexa e cujo resultado é, ao mesmo tempo, intenso e efêmero.
Recordo-me sempre da frase do personagem de Richard Gere em “Outono em Nova York”: “comida é a única coisa bonita que alimenta”. Talvez seja mesmo a única chance que temos de incorporar – de tornar parte de nós corporalmente – a beleza que de fora encanta os olhos.
Pois então, querido leitor, querida leitora, ou queride que não se identifica com “a” ou “o”; estou convencido que cozinhar é uma demonstração de carinho. E se as pessoas não estão lá habituadas a te ver demonstrando carinho, vão chegar com coxinhas e refrigerantes nas mãos.
A boa notícia é que com o tempo você passa a dominar melhor os temperos. Os da cozinha e os da vida.