Hoje, a cidade mergulhou em sombras quando a energia resolveu se ausentar por algumas horas. Foi nesse manto escuro que meus pensamentos vagaram livres, explorando os labirintos da dependência humana. Como somos frágeis, não apenas sem a eletricidade, mas sem tantas outras muletas invisíveis que nos sustentam.
Percebemos quão despreparados e desinformados somos, tateando no escuro em busca de orientação. O porquê da escuridão, sem saber quando a luz retornará. São nesses instantes de incerteza que a humanidade aflora em nós… Famílias se reuniram nos quintais e terraços para contemplar o céu estrelado. Namorados se beijaram sob a lua e fotos das estrelas foram tiradas, imortalizando esses momentos efêmeros. Histórias do universo foram contadas, tecendo laços entre gerações.
No breu, corremos em busca de velas, pequenos sóis que iluminam nossa escuridão interior. Será que ainda há quem vá à pracinha para conversar e espantar a solidão das paredes de casa? E aquele jantar, interrompido pelo apagão, transformado em um banquete à luz de velas?
A vida é um mosaico de realidades, cada lar uma história, cada indivíduo uma peça única. Isso é humanidade, essa multiculturalidade que nos enriquece. Mas e as empresas, capazes de seguir produzindo no escuro? E os hospitais, com seus geradores pulsando como corações ansiosos, temendo falhas que possam custar vidas?
A escuridão que nos cerca é também a incerteza do amanhã, o medo e a esperança entrelaçados. No breu, cada sombra carrega o peso do desconhecido, e cada vela acesa é um farol de possibilidades. E se a luz nunca voltar? E se amanhã for diferente de tudo que conhecemos? No escuro, vislumbramos caminhos não trilhados, escolhas não feitas, futuros ainda por sonhar. É aí que reside a nossa liberdade poética, na capacidade de imaginar, de transformar incertezas em inspirações, traçando planos que iluminem nossa jornada, mesmo quando o horizonte é um mistério.
Nas sombras de um momento de ira ou tristeza, de raiva ou paixão, de uma fossa, de uma partida, de um luto, de um adeus — nem que seja ao seu antigo eu — é onde a literatura encontra seu refúgio. Um oásis na escuridão, onde a mente cria, onde o coração pulsa entre suas próprias incertezas para gerar esperança. Esperando pelo alvorecer, que traz consigo a promessa da tão aguardada renovação.
03 de julho de 2024
MARATAÍZES/ES
PS. Contexto da Poesia
Durante um longo apagão que afetou Marataízes na noite de quarta-feira, 3 de julho de 2024, acompanhado das cadelas Lili e Frida, observei o céu estrelado. Registrei o momento em fotos e inspirado pelo cenário fiz esta poesia. A experiência me trouxe reflexões sobre a vulnerabilidade humana e a beleza encontrada nos momentos mais simples da vida.