Como era bom
Era assim: nas férias, que eram muitas, íamos para a casa da minha avó, em Cachoeiro de Itapemirim. A viagem, no trem da Leopoldina, era uma aventura. Levávamos um farnel com frango assado, e a cada parada nas estações apareciam vendedores oferecendo roletes de cana, rapadura, biscoitos, essas coisas.
A locomotiva apitava na saída, nas curvas grandes e na chegada e soltava uma fuligem preta que sujava tudo; os que viajavam muito -a maioria caixeiros-viajantes- usavam guarda-pó para proteger os ternos. A viagem, que deveria levar umas três horas, atrasava muito, nunca menos do que seis ou oito horas (só de atraso). Isso, sempre.
Na estação, um monte de tias nos esperava com um carregador (o de sempre, que não tinha uma das mãos), para levar as malas. Táxi? Acho que não existia; ia-se para casa a pé.
A cidade tinha – tem – um rio que parecia ser o maior do mundo, e as pessoas moravam do lado de cá ou do lado de lá. Para chegar ao lado de lá, havia duas pontes: uma normal, a outra de ferro, por onde passava o trem. Mas essa era perigosa, e só os meninos ousavam -escondido- atravessar por ela. Se alguém via, contava logo ao pai, que dava uma surra (ou coça, como se dizia) no filho para que ele aprendesse a não arriscar a vida assim por nada.
Lá pelas 7h, depois do jantar, as tias solteiras desciam para passear na praça e arranjar namorado. De braços dados, de três em três, elas iam de uma ponta à outra, num percurso de uns 50 metros. Os rapazes ficavam parados em grupinhos, só olhando. Elas iam e voltavam, iam e voltavam cochichando e rindo, comentando se “ele” tinha olhado, se não tinha, essas coisas de meninas. Às 8h30, todo mundo já estava em casa, e aí havia um lanche na copa, coisa bem simples: café com leite, pão e manteiga.
Nessa copa, havia uma geladeira pequena, de madeira, com um trinco de metal bem grande. Não era elétrica nem a gás nem nada; todas as manhãs, chegava um homem trazendo duas grandes pedras de gelo e botava dentro da geladeira.
Como a porta fechava muito bem, o gelo se conservava o dia inteiro, e às vezes, quando não tinha ninguém por perto, se roubava um pedacinho para chupar. Ah, que delícia era chupar gelo.
Mas emoção mesmo era quando o rio subia. Ele era grande, manso como um boi velho, e as enchentes eram tranquilas. Não havia desabamentos nem enxurradas, ninguém morria; a água apenas subia, calada, e inundava as ruas.
Quando havia enchente, para ir de um lugar para o outro, pegava-se o bote.
Passear de bote era melhor do que tudo na vida, e sempre aparecia alguém com uma máquina para tirar um retrato da gente no bote. Atenção: não era foto, era retrato.
Outra grande emoção era visitar a fábrica de requeijão. Num pequeno galpão -na nossa imaginação, uma grande indústria-, três ou quatro homens, cada um com uma grande colher de pau, mexiam o requeijão para não embolar. O momento mais emocionante era quando despejavam o requeijão numa vasilha de madeira e nós, as crianças, íamos para o tacho, cada uma com uma colher, para xepar a raspa meio queimada do requeijão, uma experiência gastronômica inesquecível.
A vida era boa, muito boa, mas tínhamos, quase todas, um sonho: crescer e ir para a cidade grande.